Cineastas em Hollywood que o tempo não irá esquecer

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

A indústria do cienma de hoje não passa nem perto da criatividade destes cineastas do passado, que o tempo nunca irá esquecer.

 

Hoje com a Internet a pesquisa de dados biográficos é infinitamente mais fácil. No período da minha adolescência eu fui ao Consulado Americano, para assistir na sua ainda existente cinemateca o belíssimo documentário sobre John Ford, feito por Peter Bogdanovich, com o título “Directed By John Ford”.

Bogdanovich, originariamente um estudioso dos grandes cineastas, e com vasta cultura adquirida em longas entrevistas, realizadas depois em livros, era e ainda é um ardente defensor dos cineastas sediados em Hollywood, vários dos quais comeram o pão que o diabo amassou, pressionados pelo chamado Studio System, quase que radicalmente dedicado a faturar horrores com a produção e exibição de filmes, não só na América como também no resto do mundo.

Anos mais tarde, eu tive a chance de assistir (e gravar em VHS) o documentário de outro estudioso de Ford, o cineasta progressista inglês Lindsay Anderson. A obra de Anderson, exibida em duas partes, fez parte da série Omnibus, da BBC. A primeira parte pode ser vista no site Vimeo:

 

 

Este filme de Anderson tem uma visão mais íntima e mais completa do veterano cineasta, e é ainda mais abrangente ao tomar depoimentos de alguns de seus colaboradores e atores.

O número de bons diretores na Hollywood antiga impressiona. A seguir, eu pretendo explorar aspectos de alguns deles, cujas biografias, ao longo do tempo, me interessaram mais. Começo com…

John Ford

Orgulhoso de sua ascendência irlandesa, John (ou Jack para os íntimos) Ford começou a sua vida no cinema mudo. Seu irmão já era diretor quando ele estreou no cinema. Alguns de seus filmes desta época eram cinematograficamente brilhantes, como mostra o documentário de Lindsay Anderson.

Ford era um cineasta com incrível visão e planejamento do posicionamento da câmera. Rodava poucas tomadas (“takes”) de cada plano. O cineasta dizia que acreditava na espontaneidade dos atores e com isso evitava ensaiar, mas Maureen O’Hara fala em depoimento que ela e John Wayne (o “Duke”) ensaiavam escondidos!

John Ford e Frank Capra eram ambos cineastas com raízes católicas profundas e se nota na filmografia de ambos uma inequívoca preocupação com o lado social de seus personagens.

Ford sempre foi reconhecido como um diretor que mantinha a câmera imóvel e com planos de longa duração. Neste último quesito deixou um imenso legado nesta direção: Orson Welles, por exemplo, faz um travelling longo (cerca de 3 minutos direto), bem no início de “A Marca da Maldade”, em claríssimo tributo a Ford. Clint Eastwood como cineasta também se caracterizou como diretor de poucas tomadas por plano, e deixando os atores à vontade para criarem ou improvisarem sem serem importunados!

John Ford, sobre quem se escreveu livros e ensaios, era um trapaceiro quando conversava com alguém, e algumas entrevistas dadas por ele demonstram isso. Quando perguntado o que ele esperava da sua profissão ele disse “um cheque no fim do mês” (se referindo ao salário), ou quando indagado como ele chegara a Hollywood ele disse “de trem”.

O que irritava Ford era a interferência no seu trabalho. Uma vez um repórter lhe perguntou quem escolhia seus atores e ele prontamente respondeu que era a mulher do produtor, em uma referência clara às imposições do sistema!

Foi Ford quem ensinou a Orson Welles nunca revelar aos produtores ou a seus prepostos o que ele estava fazendo no set. A Robert Parrish, seu montador, ele falou que quando este fosse diretor e entrasse alguém da produção no set que ele pegasse o visor da câmera, e quando o sujeito chegasse perto, virar o visor rapidamente e esbarra-lo no nariz do cara até notar que o nariz dele estava sangrando…

Aconteceu que Orson Welles havia recebido carta branca para fazer Cidadão Kane, e quando alguém da direção da RKO entrava sem permissão no set de filmagem ele parava tudo e começava a fazer truques de mágica até o invasor ir embora!

Tudo isso é compreensível sob o ponto de vista da liberdade de criação, e foi uma das várias formas que cineastas que preferiam criar sem a interferência da chamada “turma do dinheiro” no processo criativo fizeram para se livrar do despotismo do controle do estúdio. A exceção ficou por conta de Walt Disney, porque ele era um dos donos do estúdio, e mesmo assim ouviu poucas e boas dessa turma. Disney pedia constantemente aos seus colaboradores mais chegados para ajuda-lo a tirar a turma do dinheiro das suas costas.

John Ford é um ícone de criatividade que independe do gênero de filme feito. Por causa da distância do estúdio ele podia trabalhar em paz nas áreas de locação remotas. Achou Monument Valley, cuja topografia virou sinônimo de seus filmes, uma espécie de assinatura filmada.

Ford filmou westerns na maioria das vezes, mas claramente porque foi uma maneira de explorar a vida primitiva social norte-americana, inundada de imigrantes, com características muitas vezes de violência e racismo. O oeste americano, não por coincidência, evoluiu de forma mais lenta do que o resto do país, e isso deu a Ford a possibilidade de mostrar como é que as coisas funcionavam por lá.

Orson Welles

Com 25 anos de idade Orson Welles recebeu da RKO um contrato que ninguém tinha no esquema do Studio System, que lhe permitia fazer o filme sem interferência de ninguém! Na prática foi jamais ser obrigado a exibir os chamados “copiões” (cópias das tomadas de câmera) para qualquer pessoa do estúdio. O contrato rezava que o filme só seria visto quando já pronto para ser lançado.

Vindo do teatro experimental ele chegou lá sem ter a mínima noção de como se faz um filme. Levou com ele, por precaução, os seus atores do Mercury Theater, igualmente incipientes na arte de construir um filme. Mas, deu a sorte de ser solicitado por Gregg Toland, diretor de fotografia top da RKO, que depois lhe ensinou o que fazer durante a filmagem. Tanto assim que Welles dividiu créditos com ele na apresentação de Cidadão Kane.

Welles foi perseguido não só pelo filme que hoje sabemos parodia William Randolph Hearst, mas porque sendo um iniciante na mídia, ninguém por lá acreditava que ele seria capaz de fazer qualquer coisa, e de repente ele sai como diretor-produtor de um dos filmes que ficaram nos anais do cinema como um dos melhores filmes jamais feitos!

O ressentimento pela criatividade de Welles durou anos a fio. Em “Soberba” (“The Magnificent Ambersons”) de 1942, o filme foi tirado das mãos de Welles, cortado e remontado à sua revelia, de modo a demonstrar a força tirânica do Studio System. E em 1958 esta mesma força se repete no antológico “A Marca da Maldade” (“Touch of Evil”), mas em uma escala menor, devido à intervenção de Charlton Heston, que tinha força política na Universal.

A carreira de Orson Welles mostra que aqueles diretores que não se adaptaram à tirania das mega produções daqueles estúdios de grande porte ficavam impossibilitados de continuar seus trabalhos. Cineastas como John Ford faziam filmes de apelo popular, então iam driblando essas idiossincrasias de vez em quando.

Billy Wilder

Cineasta judeu fugido da Alemanha nazista, Billy Wilder se juntou ao roteirista igualmente imigrante I. A. L. Diamond, para escrever “Quanto Mais Quente Melhor” (“Some Like It Hot”). O roteiro desta brilhante comédia é impecável, praticamente intocável. Nenhuma fala do diálogo foi mudada, até mesmo quando a atrapalhada Marilyn Monroe esquecia o que tinha para dizer.

Billy Wilder voltou à Alemanha para ser entrevistado por pesquisadores e jornalistas que queriam saber detalhes sobre o ambiente no estúdio quando ele se defrontava com a complicada Marilyn Monroe, mas em nenhum momento ele foi indelicado com ela.

Todo mundo sabia que Marilyn tornava a vida dos diretores um inferno, chegava atrasada, ficava doente, esquecia falas, e vai por aí. Chegou a ser despedida da Fox, que chutou o balde durante a filmagem de “Something’s Got To Give”, que não chegou a ser terminado porque a atriz morreu.

Apesar das idiossincrasias com Marilyn Monroe foi por causa de Billy Wilder que ela assimilou aquele jeito que a caracterizou em suas personagens, e que foi largamente imitado por outras atrizes, que chegavam a pintar o cabelo de louro. Wilder percebeu que o ar ingênuo, mas extremamente sensual de Marilyn poderia se encaixar bem nos objetivos de seus roteiros. Infelizmente, Wilder também deixou vazar o estigma da chamada “loura burra” nos personagens da atriz, e isto fica muito claro na comédia “Quanto Mais Quente Melhor”.

Como o cinema é, antes de mais nada, pura fantasia, o que ficou da lembrança de Marilyn Monroe foi o que Billy Wilder construiu. Mas, por outro lado, o cineasta construiu comédias em grande estilo, como por exemplo, “Se o Meu Apartamento Falasse” (“The Apartment”), de 1960.

Alfred Hitchcock

Classificado como “mestre do suspense” e não foi à toa. Cineastas posteriores fizeram de tudo para “citar” Hitchcock em seus filmes. Basta ver “Instinto Selvagem” (“Basic Instinct”), dirigido pelo cineasta holandês Paul Verhoeven, lançado em 1992. Existem momentos neste filme que a gente se sente dentro de “Vertigo” (“Um Corpo Que Cai”) de Hitchcock.

Hitch era outro desses diretores que enganavam todo mundo dizendo um monte de frases de efeito, quando perguntado sobre seus filmes. Dono de um senso de humor a toda prova ele introduz nos roteiros comentários irônicos sobre costumes e convivência.

Um dos seus grandes segredos era a colocação da câmera no set, de modo a produzir oticamente o efeito visual desejado. A famosa “cena do chuveiro” de “Psicose” (“Psycho”) foi feita com múltiplas tomadas de câmera, e tornou-se estudo obrigatório de quem quer aprender cinema. Até mesmo cineastas de hoje ficam perplexos com aquela cena, tal a sofisticação cinematográfica da sua construção.

Não obstante a sua genialidade, Hitchcock ficou também conhecido como um obcecado por mulheres louras, junto com a suposta fama de ter perseguido algumas de suas atrizes. E também por ser glutão. O cineasta aparentemente nunca foi magro na vida.

Homem inteligente e perspicaz, Hitchcock fez do acúmulo de experiências negativas de vida uma maneira de aumentar a credibilidade dos roteiros por ele rodados. Gostava de usar storyboards, alguns dos quais desenhados por ele mesmo. Com eles o diretor orientava a equipe de filmagem, de tal forma que todos sabiam como ele queria que o filme fosse feito. Nunca olhava o visor da câmera nem se preocupava com isso, porque trabalhava com equipes que conheciam o seu jeito de filmar.

Manter pessoas de confiança na equipe de filmagem é uma maneira de manter a coerência no conjunto da obra, recurso este usado por Clint Eastwood até hoje.

Para mim, Hitchcock é um daqueles cineastas que não importa o que ele tivesse feito, eu estava lá para assistir, a despeito de muito críticos espicaçarem os filmes. Burrice, ou falta de sensibilidade, não me importa. Assistindo seus filmes com atenção, descobre-se que Hitch era mestre também em mensagens subjacentes, aquelas que ficam nas entrelinhas das cenas e dos diálogos. Em uma palestra com jornalistas ele nega isso, como nega também que os seus filmes continham mensagens, mas as subjacentes estão lá, é só prestar atenção.

Hitchcock se ampara no que ele chamou de “cinema puro”, onde a edição de planos em uma determinada sequência é o suficiente para levar a plateia a construir na imaginação o que o cineasta quis mostrar.

O resumo da ópera

Como muitos da minha geração, eu passei por uma fase de interesse intenso em filmes de arte, a maioria europeus. Cineastas complexos como Bergman, Alain Resnais, Truffault e muitos outros fizeram parte essencial da minha vida durante anos.

Mas, eu nunca deixei de lado o legado de grandes cineastas que se esforçaram por muitos anos em tentar conciliar o lado comercial de Hollywood com suas intenções criativas, que deveriam independer do aspecto financeiro.

Apesar dos problemas intrínsecos dos métodos draconianos de produção é preciso reconhecer o mérito técnico de Hollywood, dos avanços nos métodos de filmagem, particularmente com o filme de bitola larga ou com lentes anamórficas, bem como dos avanços na captura do som e na reprodução do áudio multicanal.

Se Hollywood tivesse dado amparo à produção independente de filmes bem que poderia ser a referência definitiva da maneira de fazer cinema. A história mostra que cineastas europeus fizeram o cinema evoluir justamente porque não tinham este tipo de influência no que estavam fazendo.

Hitchcock, por exemplo, começou a fazer cinema mudo nos estúdios da UFA na Alemanha, e lá assistiu cineastas de grande estatura, como Murnau e outros, construírem verdadeiras obras de arte, sem comprometimento na venda dos filmes para o circuito exibidor.

Nos dias atuais, não se vê mais quase nenhum resquício do Studio System, mas as produções continuam seguindo regras de venda absurdas, e a maioria delas com roteiros que mais parecem serem clonados de uma produção para outra.

Por essas e outras, eu prefiro dirigir a minha atenção aos diretores clássicos de Hollywood e àqueles, como Bogdanovich ou Scorsese, que continuam prestando tributo ao que de melhor foi feito por lá.

Outrolado_

 

 

Cineastas em Hollywood que o tempo não irá esquecer (2)

 

Winston Churchill e a Segunda Guerra Mundial de volta nas telas

 

Cannes contra Netflix

 

Do tempo das diligências ao som digital

 

O super heroísmo que atrapalha o cinema americano

 

A evolução do som no cinema foi claudicante mas inovadora

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *