First Man: Quando o heroísmo cede lugar à monotonia

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Damien Chazelle, diretor de First Man, mostra a conquista da lua na pele do astronauta Neil Armstrong e joga na tela um personagem apático e sem vida.

 

Eu tenho por hábito ler as críticas no IMDb das pessoas que não resistem ao ato de escrever o que pensam a respeito de filmes nos circuitos de exibição, e quando o filme passa por lá antes, é possível ter uma ideia do seu grau de aceitação.

Eu li críticas pesadas ao filme do jovem diretor Damien ChazelleFirst Man” (no Brasil, “O Primeiro Homem”), mas fui assistir assim mesmo.

O filme trata de um personagem importante na história do século 20, Neil Armstrong, o primeiro astronauta norte-americano que botou o pé em solo lunar, a seguir declarando aquela frase que ficou histórica “Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade” (tradução aproximada da fala original “That’s one small step for a man, one giant leap for mankind”).

As críticas no IMDb são frequentemente sarcásticas ou debochadas. Em uma delas o autor afirma no título “O primeiro homem (a sair do cinema)”.

Outras fazem um levantamento do tratamento da estória do personagem, e descobrem rapidamente que o roteirista se detém muito mais na vida familiar de Neil Armstrong do que na sua obra. E se não bastasse isso, o que se vê na tela são conflitos entre o astronauta e a mulher, que mete a língua no marido e lhe faz críticas de postura o tempo todo.

Neste particular, o único aspecto relevante mostrado pelos cineastas é o da mulher de Armstrong ter lhe acusado de desejar morrer no espaço sem se importar com a família, para depois do feito realizado, sair sorridente na frente da imprensa, como se tivesse dado apoio ao marido na hora de viajar para a lua.

O homem na vida real

Tudo faz crer que na sua vida íntima Neil Armstrong era um homem reservado. A sua trajetória acadêmica se iniciou com o estudo de engenharia aeroespacial, sendo que ele depois de sua passagem pela NASA retorna ao meio acadêmico para se tornar professor da disciplina na qual originalmente se formara.

 

Armstrong fez de tudo neste campo de trabalho, incluindo atividades como piloto naval, quando serviu na guerra da Coreia, depois foi piloto de testes para empresas que desenvolviam aviões super velozes, e finalmente ingressou na NASA quando aquela entidade começou a recrutar uma nova equipe de futuros astronautas, tendo sido o primeiro civil a entrar nesta categoria.

O filme de Chazelle omite tudo isso, por incrível que pareça, e parece concentrar esforços em exibir uma espécie de vida monótona e dissociada da família, que o astronauta teria levado antes de se tornar o primeiro homem na lua.

O resultado é um roteiro fraco, filme desnecessariamente longo (cerca de 2:20 de projeção), e sem mostrar a quem não conhece o personagem os méritos da sua vida dissociada da publicidade.

Armstrong viajou para diversos países, esteve inclusive no Rio de Janeiro em 1969, para receber diversos tipos de homenagem, ocasião na qual falou sobre a importância do trabalho pioneiro de Santos Dumont. Foi muita coragem ter dito isso, porque a história americana reconhece nos irmãos Wright o pioneirismo da aviação, e mais ninguém.

 

 

Neil Armstrong morreu aos 82 anos de idade, tendo vivido grande parte da sua vida longe dos holofotes. Em solo lunar deixou uma placa com o nome dos cosmonautas e astronautas que morreram na primeira fase da corrida espacial.

As mazelas do filme

Bem que Damien Chazelle, cineasta de formação universitária, poderia ter feito um esforço melhor ou se empenhado para não se deter demais nas atribulações domésticas do personagem.

Eu sei que me tornei suspeito para falar e fazer críticas ao cineasta. Mas, Chazelle me decepcionou muito com Whiplash e me deixou perplexo com La La Land, que não passa de uma contrafação de filmes musicais exibidos e consagrados no passado. Ele tem tudo para ser um bom diretor, se conseguir algum dia mudar a sua ótica pessoal, ao encenar os seus personagens. Formação universitária só não basta, é preciso dar continuidade a esta formação e evoluir estudando bastante. Não fazendo isso, estaciona-se e não se avança nunca mais!

A encarnação de Neil Armstrong por Ryan Gosling é patética. O ator parece estar dentro de um filme mudo, inerte e frio, sem quase diálogo ou entusiasmo na personificação do personagem. A inglesa Clare Foy se salva, na pele da mulher de Armstrong, mas por pouco. Justiça seja feita, não há muito que interpretar.

Antes de ir ao cinema eu ainda li a crítica do Globo, escrita por alguém que conhece cinema. Depois que vi o filme, fiquei surpreso e li a crítica de novo. O crítico se nega a ver a monotonia do filme, bem como as omissões históricas que teriam feito a plateia reconhecer ali não o chefe de família com uma mulher chata, mas a capacidade intelectual do astronauta, cujo lado acadêmico contribuiu significativamente para a chegada do homem à lua.

E antes que alguém que esteja lendo isso me acuse de suspeição por estar supostamente defendendo a minha classe, eu quero afiançar que os grandes cientistas que eu conheci, aqui e no exterior, eram todos pessoas modestas e recolhidas no seu trabalho. Neil Armstrong parece ter sido um homem assim, e este filme falha em mostra-lo como devia! _Outrolado_

. . .

 

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Paulo parabéns pelo tema escolhido, pois ficção para mim é a cereja do bolo. Já assisti a dois filmes sobre as Missões Apollo. Mesmo com o brilhantismo do filme Os Eleitos e dos prêmios recebidos, ainda creio que o filme Apollo 13 angariou uma legião de fans por toda sua narrativa. Mas como pretendo assistir O Primeiro Homem, quero conferir todo enredo e poder saber se foi igual ou pior que o filme Apollo 18 (um acinte, se tratando de uma suposta missão da Apollo). Vamos aguardar e ver. Um abração Paulo

    1. Olá, Rogério,

      Eu aprendi que deve-se assistir tudo, e depois decidir se a gente gostou ou não.

      Eu gosto de Os Eleitos, mas a meu ver o filme tem uma falha gravíssima, que é a de tratar toda aquela barafunda resultante do desespero americano em não ficar para trás dos russos em uma paródia. Von Braun sequer é citado, você lê nos créditos “Cientista chefe” e a coisa fica ridícula quando ele diz a Lyndon Johnson que “os nossos alemães são melhores que os alemães deles”. Ha, ha. Na história do fim da segunda guerra todos aqueles cientistas que fizeram projetos com foquetes se dividiram, não necessariamente por questões de competência mas ideológica. E se os que foram para a Russia eram piores, porque eles conseguiram fazer tudo primeiro?

      Lá, como na América, houve tentativa de sabotagem que os historiadores de hoje admitem com mais abertura. E neste caso, até hoje o único filme que eu vi mostrando este lado da corrida espacial foi um filme sentimentalóide chamado de “Meu amigo, o astronauta” (“Race to Space”, que está incluso no pacote atual do Amazon Prime), mas nem assim o nome Von Braun é mencionado. Sabe-se que houve uma tremenda oposição a Von Braun chefiar a corrida espacial americana, mas os políticos sabiam que sem os “alemães deles” a coisa não andava.

      Em Os Eleitos, um dos cientistas alemães faz um papel de um sujeito antipático, um estereótipo de doer, e totalmente desnecessário. Por acaso, eu conheci um técnico alemão egresso da guerra, que prestava serviço no consulado, e um dia ele me mostrou revistas alemães com anúncio de emprego para técnicos daquela área. Isso foi durante a década de 1960, quando as empresas americanas ainda procuravam mão de obra vinda das universidades e cursos técnicos da Alemanha.

      Achei Apollo 13 mais ou menos, algumas cenas boas, como a partida do foguete, mas o conjunto da obra descamba para aquela rotina do super herói americano, com aplausos em profusão no fim. Mas, isto sou eu, é o tipo de filme que por mais que eu assista, continuo vendo a mesma coisa.

  2. Paulo parabéns pelo tema escolhido, pois ficção para mim é a cereja do bolo. Já assisti a dois filmes sobre as Missões Apollo. Mesmo com o brilhantismo do filme Os Eleitos e dos prêmios recebidos, ainda creio que o filme Apollo 13 angariou uma legião de fans por toda sua narrativa. Mas como pretendo assistir O Primeiro Homem, quero conferir todo enredo e poder saber se foi igual ou pior que o filme Apollo 18 (um acinte, se tratando de uma suposta missão da Apollo). Vamos aguardar e ver. Um abração Paulo

    1. Olá, Rogério,

      Eu aprendi que deve-se assistir tudo, e depois decidir se a gente gostou ou não.

      Eu gosto de Os Eleitos, mas a meu ver o filme tem uma falha gravíssima, que é a de tratar toda aquela barafunda resultante do desespero americano em não ficar para trás dos russos em uma paródia. Von Braun sequer é citado, você lê nos créditos “Cientista chefe” e a coisa fica ridícula quando ele diz a Lyndon Johnson que “os nossos alemães são melhores que os alemães deles”. Ha, ha. Na história do fim da segunda guerra todos aqueles cientistas que fizeram projetos com foquetes se dividiram, não necessariamente por questões de competência mas ideológica. E se os que foram para a Russia eram piores, porque eles conseguiram fazer tudo primeiro?

      Lá, como na América, houve tentativa de sabotagem que os historiadores de hoje admitem com mais abertura. E neste caso, até hoje o único filme que eu vi mostrando este lado da corrida espacial foi um filme sentimentalóide chamado de “Meu amigo, o astronauta” (“Race to Space”, que está incluso no pacote atual do Amazon Prime), mas nem assim o nome Von Braun é mencionado. Sabe-se que houve uma tremenda oposição a Von Braun chefiar a corrida espacial americana, mas os políticos sabiam que sem os “alemães deles” a coisa não andava.

      Em Os Eleitos, um dos cientistas alemães faz um papel de um sujeito antipático, um estereótipo de doer, e totalmente desnecessário. Por acaso, eu conheci um técnico alemão egresso da guerra, que prestava serviço no consulado, e um dia ele me mostrou revistas alemães com anúncio de emprego para técnicos daquela área. Isso foi durante a década de 1960, quando as empresas americanas ainda procuravam mão de obra vinda das universidades e cursos técnicos da Alemanha.

      Achei Apollo 13 mais ou menos, algumas cenas boas, como a partida do foguete, mas o conjunto da obra descamba para aquela rotina do super herói americano, com aplausos em profusão no fim. Mas, isto sou eu, é o tipo de filme que por mais que eu assista, continuo vendo a mesma coisa.

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