Coisas da política

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

A política pode e deve ser criticada por quem quer que seja, na defesa dos seus direitos. E foi o humor quem mais exerceu no passado este tipo de postura.

 

Eu venho de uma família católica tradicional. O meu pai, que chegou a ser preso na ditadura de Vargas, tinha horror de políticos, não podia ouvir qualquer um deles abrir a boca, e eu só fui entender por que anos depois de adulto.

Meu pai morreu jovem e eu nunca tive chance, mesmo quando adolescente, de perguntar a sua objeção ao discurso político, mas depois me pareceu óbvio: os políticos mentem, inventam realidades, fazem promessas que nunca irão cumprir.

Políticos usam o povo sem cultura como massa de manobra, em atos de profunda covardia, um abuso criminoso da ignorância e do emocional alheio.

O cinema até hoje aborda termos políticos, direta ou indiretamente. Na minha fase de cinema de arte, dos 16 anos em diante, eu fui exposto ao esquerdismo da Nouvelle Vague, mistura de filmes conservadores e de vanguarda na sua totalidade.

Fora da França cineastas de outros países também levantaram bandeiras similares, e até hoje eu vejo comentários a este respeito, inclusive em filmes de outros gêneros. Por exemplo, em “A Caçada Ao Outubro Vermelho”, de 1990, o assessor do presidente Jeffrey Pelt diz ao herói Jack Ryan algo deste tipo:

“…eu sou um político, o que significa que eu sou trapaceiro e mentiroso, quando não estou beijando as criancinhas eu estou roubando os seus pirulitos…”

O casamento da televisão ou do cinema com assuntos políticos nem sempre tem objetivo doutrinário. As melhores obras nesta direção tentam explicar o quase inexplicável histórico dos personagens envolvidos.

Recentemente, em meio às atribulações das mudanças de governo, eis que o serviço Netflix lança “Trotsky”, seriado russo para a TV. Estória que muita gente conhece, mas com ênfase ao assassinato do líder comunista, por exemplo, em “O Assassinato de Trotsky”, de 1972, pelo respeitado cineasta Joseph Losey.

 

 

No seriado atual é impressionante notar a franqueza com que os personagens são friamente tratados pelos roteiristas, porque na vida real Trotsky não era exatamente um santo. Mandou matar ou executou muita gente, ao lado de Lênin, pintado pelos roteiristas como um verdadeiro canalha oportunista. E no final inclui a condenação categórica de Stalin, cujo passado a maioria de nós que fomos um dia estudantes secundaristas conhece.

Somente no último episódio, depois de incontáveis “flashbacks” vividos pelo personagem central, cobrindo inclusive a sua prisão e mudança de nome, é que o assassinato é relatado, mais sem que o golpe final seja visto, nem mesmo a prisão do assassino.

É neste ponto em que eu estou no grupo daqueles que gostariam de ter assistido mais aulas e estudado mais a história mundial, embora, justiça seja feita, muito do que ocorreu dentro dos porões dos países submetidos aos regimes comunistas tenha sido encoberto ou pouco esclarecido, o que torna o processo de estudo virtualmente impossível, sem algum tipo de viés ou distorção dos fatos.

Sobre a Rússia e a revolução de 1917, um filme que me impressionou pela brutalidade foi “Doutor Jivago”, quando eu ainda era adolescente, feito com um brilhante roteiro escrito pelo teatrólogo inglês Robert Bolt, e dirigido por David Lean, notável na condução de filmes épicos.

Naquela época, eu era muito ignorante da história da revolução russa, para entender com clareza detalhes dos bastidores da estória. O retrato pintado no filme de Lean, que pode ser visto em qualquer DVD ou Blu-Ray, é de uma catástrofe social, no qual a vida pessoal teria a sua morte decretada.

Na década de 1960, tanto o romance de Boris Pasternak quanto o filme de David Lean, foram proibidos na Rússia, sendo o autor condenado como “traidor” pelas autoridades soviéticas da época.

O humor baseado na política

Felizmente, muitos artistas usaram a política e a história para fazer humor da melhor qualidade. No esquete hilário, fabricado pelo grupo inglês Monty Python, com o título “World Forum” (Forum Mundial), um grupo de intelectuais, todos líderes de esquerda, é bombardeado com perguntas sobre futebol, as quais, é claro, nenhum deles conseguiu responder.

Na mesa estão nada menos do que Mao Tsé-Tung, Che Guevara, Lênin e Karl Marx.

 

 

E quando no final do tal Fórum Karl Marx é convidado a responder perguntas em troca da um sofá “não materialista” —  ele ia indo bem até que o assunto futebol volta na última pergunta, e como Marx não respondeu, ele é contemplado com um ursinho de pelúcia como prêmio de consolação.

Gozado é que aqui no Brasil foi em plena ditadura que comediantes na TV fizeram uma série de personagens encarnando políticos e militares.

No jornal O Pasquim, espécie de bíblia da estudantada da minha época, houve apreensões do material impresso e prisão de cartunistas, mas nenhum deles deixava baixar a bola. Houve momentos em que nós leitores corríamos à banca antes do jornal ser apreendido.

Até hoje não entendi porque esse tipo de humor desapareceu. Inicialmente, ele poderia estar associado ao fim dos regimes militares ou ao fim da censura, ou seja, teria havido perda de motivação, mas o tempo se encarregou de tornar evidente que não foi por causa disso. Eu afirmo isso porque nas décadas seguintes, a desordem e a corrupção seguida de roubalheira bem que poderia ter servido como fonte de inspiração para humoristas, mas aparentemente não foi.

A gente se pergunta por que o humor, cinema ou TV, é tão eficiente na crítica com uso da análise política e de seus personagens. Mas a resposta é óbvia: trata-se da defesa que as pessoas têm diante de algo sobre o qual elas, em princípio, não vão poder fazer nada, a não ser que se disparasse uma revolução a cada cinco minutos.

A ausência dos criadores de humor tem sido substituída por memes e recursos afins, em redes da internet, o que em parte, sinceramente, não é bom. Trata-se evidentemente do mesmo recurso de defesa e indignação, mas não resolve nada. Onde estão os humoristas para parodiar comentários do tipo “azul para meninos e rosa para meninas”, e outras besteiras ditas sem pudor na frente das câmeras?

Uma personalidade pública deveria tomar cuidado para não se queimar com palavras ditas sem pensar, mas se alguém faz isso não se pode excluir a possibilidade de que aquela pessoa é arrogante o suficiente para achar que nenhuma apreciação crítica na sua direção vai lhe acontecer.

A crítica política é necessária e o humor sobre ela é fundamental para que o público não se sinta sozinho. Eu às vezes fico pensando que se o Brasil tivesse um nível de escolaridade melhor a gente não estaria passando por tudo isso.

_Outrolado é sobre conteúdo e comunicação

. . .

Leia também:

 

 

Cinema, a grande e a maior arte escapista do século 20

 

Clássicos da animação de Walt Disney voltam em relançamento

 

Serviços de streaming versus colecionadores de discos

 

E o seu projeto?

 

Briefing, você me faz sofrer

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *