A catarse do escapismo

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O escapismo é uma arma no enfrentamento do estresse e importante na busca de solução possível de tratamento de qualquer doença infectocontagiosa.

 

No final da década de 1980 eu participei de um programa curricular integrado, que tinha o nome de “Mecanismos Básicos de Saúde de Doença”, destinado aos alunos do curso de Medicina. Foi nesta época em que eu tive o privilégio de receber ensinamentos da Professora Munira Aiex Proença, médica com vasto conhecimento e estudo na área de psicanálise, na qual eu sempre fui neófito.

A Munira me convidou para estudar o assunto “estresse” (ou “stress”, se quiserem), e depois participar com ela de uma aula em parceria sobre o assunto. Por coincidência, na minha passagem por Cardiff, o objeto do estudo era algo que me remetia a tal tipo de problema, só que ao nível celular. Na minha volta ao país, o antigo programa já havia sido extinto, mas eu continuei estudando o assunto, na base do autodidatismo, e acabei por montar uma aula sobre o tema “Stress”.

Destaco a seguir alguns trechos, copiados do resumo da aula, elaborado por mim, para ser entregue aos alunos:

“O stress é uma condição médica desenvolvida a partir de fatores emocionais, os quais, posteriormente, desencadeiam um estado de doença. O termo (aportuguesado por alguns como “estresse”) é originário da física, mas o conceito nele embutido se espalhou para diversos campos do conhecimento, como será visto a seguir. No campo médico, foram as pesquisas desenvolvidas pelo canadense Hans Selye, com animais de experiência, que estabeleceram as bases para o entendimento das diversas fases do processo do seu desenvolvimento.”

E depois:

“É da Física que advém a correta compreensão do que é o stress: “uma força aplicada a um corpo, capaz de levá-lo à deformação”, ou ainda “a resistência interna de um corpo submetido à ação de uma força ou sistema de forças”. Em ambos os casos, os componentes de força aplicada e resistência revelam o que mais tarde foi descoberto na medicina, que consiste na observação de que um indivíduo sob stress recebe uma carga ou tensão emocional e a seguir responde a ela com resistência.”

“Na realidade, stress pode também significar uma ênfase ou acentuação passada a um ato ou iniciativa. A força dada a um som (música) ou palavra (linguística) é igualmente caracterizada como stress.”

“Na medicina, o stress envolve a submissão de um paciente a um fator que o extenua e o desestrutura, impedindo-o de reagir equilibradamente. A doença resultante deste processo emocional ocorre após o paciente se sentir incapacitado de resistir ao stress que o perturba.”

Eu não vou repetir o resto, porque o assunto é muito complexo, mas basta dizer que se alguém analisar a situação atual de enfrentamento com o Corona vírus na pauta, e a forma como ela tem sido tratada na mídia, o estresse com o alarmismo poderá, em tese, matar tanto quanto a pandemia.

Formas de escapismo

É literalmente impossível para qualquer pessoa se livrar do estresse. O fenômeno estressante advém de um estímulo neurossensorial, provocado pelo ambiente onde a pessoa vive. Estímulos externos negativos podem afetar as pessoas, ao nível do corpo inteiro, dos tecidos e das células.

Uma das recomendações para quem sofre de estresse é recorrer ao escapismo. Existem formas de escapismo saudáveis, quando alguém usa um tipo de distração ligada à criatividade, como, por exemplo, as artes em geral, cinema, teatro, etc. Se houver envolvimento pessoal nisso, melhor ainda!

Mas, existem formas de escapismo que são tremendamente negativas, e devem ser evitadas, como, por exemplo, alcoolismo, tabagismo, uso de drogas, etc. Na ânsia de “ficar chapado” a pessoa piora consideravelmente a sua condição clínica provocada pelo estresse, podendo chegar a morrer por consequência deste agravamento.

O escapismo no cinema

De uma maneira geral, o escapismo é a base conceitual do cinema. O cineasta conta uma estória, e com o uso da câmera, transporta a plateia para onde ele quiser. Tal contar de estória vem da lanterna mágica e é, sem dúvida, a maior virtude do cinema americano antigo e moderno, não que a forma de narração tenha sido criada lá, mas porque a fórmula em si foi levada ao seu maior aperfeiçoamento.

A suspensão da descrença (“suspension of disbelief”) leva quem assiste a acreditar que situações inacreditáveis passem a ser verdadeiras.

No cinema americano predominam temas como “true love” (amor verdadeiro), ou “true love kiss” (o beijo que reflete o sentimento verdadeiro de alguém). Walt Disney fazia questão do chamado final feliz, e usou a expressão “happily ever after”, traduzida aqui como “viveram felizes para sempre”.

O termo “catarse” (vem do grego “kátharsis”) é um processo de purificação, no qual o indivíduo se livra de uma situação emocional estressante, como medo, ansiedade, ou algum outro tipo de pressão.

O escapismo pode ser, e geralmente é, uma das melhores maneiras de alguém fazer catarse. Praticamente todos os vilões dos filmes de animação de Walt Disney acabam invariavelmente morrendo pela queda em um abismo!

Nos filmes de ação e suspense a catarse é uma necessidade, na qual a plateia enxerga a justiça feita, ao final do filme. Nos antigos filmes de faroeste cultivou-se o antagonismo entre o bem e o mal como “mocinho e bandido”, respectivamente.

Qualquer recurso escapista é uma forma de resistência ao estímulo do estresse, e por isso, deve-se recorrer a ele toda vez que alguma coisa ruim acontece conosco.

A ignorância no enfrentamento das doenças infectocontagiosas

Ora, acontece que nós agora estamos vendo um exemplo claro da aplicação completamente errada no enfrentamento de uma pandemia. O pânico ou a histeria neste enfrentamento provoca um estresse, que dificilmente ajudará a combater e/ou controlar a disseminação da doença. O efeito estressante das proibições de locomoção, o cenário econômico tenebroso, com alto risco de perda de renda, e, portanto, de sobrevivência, é tão importante clinicamente quanto a pandemia propriamente dita!

Pior ainda é a proposta de tratamento de uma virose deste porte sem um estudo clínico convincente, diga-se de passagem por especialistas que deveriam ter consciência de que é preciso segurança no uso de qualquer medicamento. Quem está de fora vendo isso, torce para dar certo. E se não der? Como é fica o estresse da população, que perde uma esperança catártica de se livrar da doença?

A mídia, que também não tem noção de como fazer este enfrentamento, começou logo a espalhar o mantra do “fique em casa”. Se todos nós seguirmos este mantra ao pé da letra, a vida de qualquer um ficará um verdadeiro inferno. A partir daí, o estresse emocional é inevitável.

Enfim, falta inteligência, sensibilidade e bom senso. Nenhum estudo é simples o suficiente para resolver problemas em um passe de mágica. Antes fosse! Na minha vida profissional eu fui adepto e na prática apologista do estudo interdisciplinar, não só porque mais de uma cabeça pensante sempre contribui para uma solução, como também os ângulos de visão diferentes sempre trazem à baila soluções que ninguém havia pensado antes!  Outrolado_

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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