Toda vez que eu ouço ou leio a palavra Ciência…

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Falar em Ciência sem as pessoas terem noção do que isto significa tem ajudado os políticos a entrar de cara lavada na frente das câmeras e das entrevistas. Entretanto, a Ciência nunca teve expressão neste país e padece da eterna falta de fomento ou valorização profissional nas universidades públicas.

 

O objetivo maior de todo ser humano que se preza a si próprio e quer melhorar de vida é fazer força para ganhar experiência e conhecimento, e eu mesmo sou uma prova viva disso: até próximo do fim da adolescência eu só queria jogar futebol em qualquer campo que pudesse, aulas a maioria eu detestava assistir. Eventualmente, abandonei o futebol, mas continuei avesso às aulas, já dentro da faculdade. Até o ponto em que parei um dia para pensar o que eu iria fazer da minha vida!

Paguei muito caro o preço do atraso. Com o passar do tempo, eu percebi que no Brasil os cursos de formação universitários são, em sua maioria, falhos. Então a inevitável saída é o autodidatismo, e isso é um processo de aprendizado penoso e lento. Aí deveriam entrar as boas bibliotecas, mas eu só fui aprender de fato a fazer pesquisa bibliográfica quando já estava dando os meus primeiros passos no laboratório.

O preço pago pelo aumento da consciência

No filme As Sandálias do Pescador, o Papa diz à médica que estava indignada com a falência do seu casamento que “aqueles que têm consciência são os que sofrem mais”. E como isso é verdade!

Os tempos mudam e a experiência de vida também. Pois não é que agora, com a minha consciência sempre em formação, e com os duros trajetos que eu tive que percorrer para adquiri-la, eu ouço a todo o momento a palavra “Ciência”, que vem sendo dita na mídia escrita e visual, sem eu saber exatamente o que a palavra tem de significado para o restante da população.

A Ciência na TV

E eis que eu me deparo constantemente com ex-alunos nas telas de TV: Roberto Medronho, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ que vi ainda estudante nos nossos laboratórios de ensino, Edimilson Migowski, irmão do Edison Migowski, ambos formados na Medicina, e com amplo sucesso em suas carreiras, graças a Deus. Edimilson participou de um projeto realizado para tese de mestrado em Pediatria, conduzida pelo médico cardiologista Antônio Carlos Ramos, e se reunia sempre conosco. Flávia Gibara, outrora estudante de iniciação científica, aparece agora em eventuais entrevistas.

O Amilcar Tanuri, hoje pesquisador celebrado, eu conheci ainda muito jovem e cheio de ideias e projetos. Eu vi esse povo todo passar na minha frente, no decorrer da minha vida acadêmica. E aprendi alguma coisa também nessa convivência.

 

Um dos meus últimos grupos de iniciação científica, com estudantes de medicina. A data na foto mostra quando ocorreu a exibição do pôster (11/08/2000).

 

Mas, não importa quantas pessoas falem hoje em Ciência na mídia, continua a pergunta no ar: o significado da palavra tem expressão no conjunto da população, uma vez lançada nas entrevistas da TV?

Ciência depende muito do ambiente

A minha experiência de trabalho no exterior me mostrou de fato a verdadeira dimensão do trabalho científico junto à comunidade local. Ao meu lado, jovens de pouco mais de vinte anos de idade se esforçavam para realizar projetos complexos na área de Bioquímica, ao fim dos quais iriam defender suas teses de doutorado.

Voltando ao Brasil, eu reencontro o mesmo status quo de sempre. Por questões profissionais de foro íntimo muitos dos meus colegas decidiram nunca se dedicar ao trabalho de investigação científica, o que eu sempre achei um erro grosseiro uma vez dentro da carreira acadêmica, mas cada um sabe de si.

O fato irônico que eu observo hoje em dia é todo mundo pedir socorro à Ciência como tábua de salvação, depois que o país mergulhou em uma pandemia incontrolável, a qual, diga-se de passagem, nem o mais ilustre dos nossos pesquisadores estava preparado para enfrentar. Apesar disso, eu não me lembro de ver na mídia a real dimensão do que a Ciência realmente significa.

Em épocas remotas, eu vi na UFRJ cientistas brilhantes, todos eles dando um duro danado para ver as suas pesquisas vivas e em andamento, mas só que nenhum deles tinha hábito de aparecer na mídia, muito pelo contrário. Então, em consequência disso, seus nomes passaram na obscuridade por décadas a fio, dentro e fora da academia.

Eu dei a sorte de ser assistente de pesquisa e orientado na tese de mestrado pelo Professor Paulo da Silva Lacaz, homem com um currículo brilhante em toda a sua extensão de vida na UFRJ. O Professor Lacaz era Catedrático por concurso e posteriormente com a reforma Professor Titular de Bioquímica, com uma cultura extraordinária em Química Orgânica e química de uma maneira geral. Fundou o Departamento de Bioquímica Médica, do Instituto de Ciências Biomédicas, onde fui aluno, monitor e professor.

Ajudou a construir o então Centro de Pesquisas de Produtos Naturais (CPPN), que começou no campus da Praia Vermelha, e depois se tornou um Núcleo de Pesquisas (NPPN) e agora Instituto (IPPN) desta área de pesquisa. Um dos seus méritos foi o de arregimentar pesquisadores de dentro e fora do país, em torno da pesquisa da flora brasileira, potencialmente utilizada no tratamento de diversas doenças.

Eu aposto, e faço pouco, que se for perguntado a alguém naquele recinto quem foi o Professor Lacaz, muita pouca gente será capaz de responder.

Isso me lembra, inclusive, o relato de um músico que foi a um concerto de Jazz, realizado dentro de uma universidade norte americana, e perguntou aos jovens da plateia se eles sabiam quem era Louis Armstrong, e um deles respondeu que era o astronauta que pisou na lua pela primeira vez, ou seja, confundiu o histórico músico com Neil Armstrong!

Por essas e tantas outras coisas, eu me arrisco em um prognóstico pessimista: o povo brasileiro não saberá tão cedo o que é Ciência, mesmo que fiquemos aflitos com outras pandemias.

Por outro lado, percebe-se que as sucessivas administrações públicas privilegiam os políticos. Quando as universidades públicas se “democratizaram” todas as escolhas administrativas, de chefe de departamento até reitor, passaram a depender daqueles que se candidataram com ambições políticas.

E onde fica a Ciência nisso? Ela só tem expressão diante de um trabalho árduo de laboratório, em alguns casos com pesquisa de campo ou similar, com duração de décadas! Não é, em tese, possível ser político e pesquisador ao mesmo tempo. E por quê?

O trabalho científico demanda tempo e dedicação integral e exclusiva. É ilusório achar que grandes achados científicos foram fruto do acaso. Em raras circunstâncias o pesquisador consegue descobrir algo, por culpa de um acidente qualquer dentro do laboratório. Foi o caso, por exemplo, do cientista Alexander Fleming, que descobriu a penicilina, que no início mais parecia uma contaminação por fungos nas suas placas de Petri.

Respeito aos profissionais, dentro e fora de qualquer pandemia

Todo profissional, do mais modesto ao de maior status, merece o respeito, que muitas vezes não lhe é devido! No meu campo de trabalho eu observei isso com relação a professores e médicos do governo, justamente aqueles que deveriam receber apoio incondicional no exercício de suas profissões. Se não fossem os hospitais universitários, com cursos de educação continuada, a nossa medicina estaria muito abaixo do que está. Tratar profissionais de saúde e professores como algo sujo na sola dos sapatos sempre irá sempre na direção contrária.

Mesmo os mais humildes dos profissionais merece ser tratado com respeito pelos seus superiores. Quando me colocaram como administrador do nosso laboratório de pesquisa, eu almoçava diariamente com dois colegas engenheiros, um deles chefiava uma das principais áreas de manutenção do hospital. Com eles eu aprendi como toda aquela máquina funciona, trabalhando com técnicos em níveis diferentes, o mais baixo deles apelidado de “peões”. A intimidação pelo sistema era óbvia!

Uma vez improvisado como administrador, a primeira coisa que eu fiz foi um levantamento de problemas de instalação. Depois disso, eu fui para a engenharia e entreguei um requerimento para os devidos consertos. Logo que um dos técnicos chegou lá, eu fui falar com ele, conversando no seu nível e sem interferir no seu trabalho. E repeti a façanha com todos eles.

Certa feita, um deles estava indo ao desespero no conserto da válvula de descarga, que era muito antiga, de um dos banheiros. E quando ele me contou o drama, eu lhe sugeri parar tudo, sair para tomar um café, esfriar a cabeça e depois voltar. E ele fez isso. Passado um tempo, eu até já havia esquecido o assunto, e vejo o rapaz no corredor, todo contente, vindo em minha direção e me dizendo “Professor, resolvi o problema!”.

O tempo passou e os técnicos iam lá no laboratório, sem nenhuma ordem de serviço nas mãos, só para perguntar se estava tudo sobre controle. O ar condicionado central era limpo seis meses antes do verão.

Meus colegas, acostumados a maus momentos com os “peões”, ficaram surpresos. Um deles me perguntou como eu tinha conseguido aquilo?

Não há nenhum mistério ou segredo nisso. O profissional de escalão mais baixo gosta quando alguém quer saber o que eles estão fazendo e quando recebem palavras de incentivo para fazerem o melhor possível. Enfrentamento de problemas é coisa comum com todos os profissionais, e quando algo duro de enfrentar é resolvido, o profissional se sente melhor consigo próprio e aprecia ver o seu esforço ser reconhecido.

O mesmo deveria se aplicar a todos aqueles que estão agora enfrentando a pandemia na linha de frente, sendo potenciais vítimas do mal 24 horas por dia, o mesmo mal que eles estão ajudando a tratar. Toda vez que eu leio ou vejo no noticiário algo em sentido contrário eu fico indignado com a falta de sensibilidade no trato com o ser humano, e com a frieza da coisa econômica corrupta, que no final atinge qualquer um de nós! Outrolado_

. . .

O que fazemos

Louis Armstrong, o menino de origem humilde que reinventou o Jazz

 

Trabalho em equipe com clareza e resultados

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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