Os paradigmas da boa audição do áudio

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Os principais paradigmas do áudio de boa qualidade envolvem aspectos dos processos de gravação e reprodução que encantam audiófilos desde que a alta fidelidade foi criada.

 

Existem assuntos e discussões acaloradas que são sempre acompanhas de polêmicas intermináveis. Um desses assuntos é o áudio e os seus equipamentos!

Todos os envolvidos nesta discussão, às vezes bastante áspera ou litigiosa, não quer saber ou não toma conhecimento de uma variável importante que atinge todo mundo: a curva de resposta de frequência do ouvido humano muda de um indivíduo para o outro!

Sendo assim, é perfeitamente aceitável que alguém ouça um som de um jeito e outra pessoa ao seu lado ouça o mesmo som de forma diferente.

Eu dei a sorte de ter amigos que conheciam áudio e eletrônica. Aquele amigo que eu perdi recentemente, citado em um texto anterior, era uma pessoa com ouvido privilegiado, e sabia usa-lo para construir equipamentos e discriminar os que ele comprava no comércio.

Foi na casa dele que eu tive uma prova conclusiva disso. E ele, como todo audiófilo deste tipo, não parava quieto. Foram muitas as madrugadas que eu, ignorante em eletrônica, ouvi ele descrever projetos, que estavam em andamento ou que ele planejava construir.

Em um desses projetos, ele montou uma caixa acústica com coluna isodinâmica cuja marca infelizmente eu não me lembro mais, com uma qualidade de som em médios e agudos de uma transparência excepcional. Mas, como os projetos não paravam, ele eventualmente se desfez das caixas, e eu fiquei com um dó no peito.

Os paradigmas do áudio de alta fidelidade

Idealmente, a reprodução do áudio dentro de casa deveria ser o mais próxima possível da audição ao vivo não amplificada, ou seja, como se todos os instrumentos estivessem tocando naquele ambiente. Desnecessário dizer que um bom parâmetro para se habituar o ouvido é ir à uma sala de concerto que não use acústica amplificada.

O conceito do que foi chamado de Som Absoluto é baseado justamente na reprodução do som igual aos dos instrumentos.

O termo foi praticamente cunhado na revista do mesmo nome, The Absolute Sound, lançada na década de 1970, e que tinha por princípio não aceitar anúncios (a revista sobrevivia com as assinaturas dos leitores) para evitar a “contaminação” da influência dos fabricantes nas análises dos equipamentos e da mídia, geralmente elepês.

Seu fundador foi um jornalista chamado Harry Pearson, auto intitulado “HP”. As suas análises e críticas ficaram famosas pelo sarcasmo como ele as redigia, fazendo comparações esdrúxulas que provocavam risos nos leitores, mas apesar disso ele conquistou uma boa reputação nos adeptos do high-end.

Embora o assunto seja controvertido, ainda assim é possível estabelecer alguns paradigmas do que é a reprodução do áudio de boa qualidade:

O primeiro deles já foi comentado acima, que é a reprodução o mais natural possível do som amplificado.

O segundo refere-se à dinâmica do som gravado. É inevitável que gravações de música erudita sejam feitas com uma faixa dinâmica extensa, mas ela gira em torno de 20 a 30 dB, podendo facilmente ser capturada por áudio analógico ou digital, o primeiro que trabalha com cerca de 60-70 dB e o segundo com mais de 90 dB de dinâmica.

O quesito dinâmica é importante, e pode ser alcançado de várias maneiras. Lembro que quando o rádio FM estéreo começou no Brasil, a então agência reguladora da época (Dentel) após um curto período de tempo começou a obrigar as emissoras a reduzir a largura de banda de transmissão, assim liquidando as chances de irradiar música clássica ou até popular, dependendo da gravação, na dinâmica correta.

Naquela época, eu tinha um receiver com o falecido recurso Dolby FM, e comecei a fuçar sobre isso. Eu tinha um conhecido no departamento técnico da JB FM, e em uma das vezes em que eu fui aos estúdios, ele me mostrou o link com o transmissor e comentou comigo que o Dentel tinha vindo em cima deles. A entidade queria aumentar o número de emissoras em FM, e pouco se importou com a qualidade do áudio!

Elepês são notórios geradores de ruído. Foi por causa disso que a Philips começou a investir a sua pesquisa no desenvolvimento do Compact Disc, destinado principalmente ao ouvinte de música clássica. Inicialmente, o método de gravação usado no CD era analógico, tal qual o videodisco. Mas, nesta mídia os problemas de ruído crepitaram e posteriormente obrigaram os estúdios a introduzir métodos de redução de ruído para a reprodução do áudio analógico, tal como o CX da CBS, cujo decodificador era instalado dentro do aparelho reprodutor. Assim, a Philips tomou a sensata decisão de abandonar o som analógico e introduzir o PCM digital, redesenhando de forma completa o protótipo.

O elepê foi também alvo dos sistemas de redução de ruído, tais como os eliminadores de ruídos de impulso (usado para tirar estalos da massa) e no caso da dinâmica, o dbx, cuja codificação era acrescentada à master usada para cortar os elepês.

O terceiro critério para um som de boa qualidade consiste na acústica do ambiente e na qualidade dos microfones utilizados na gravação.

Quando lá pela década de 1970 eu conheci o dono da Eurobrás, na época a principal representante de equipamentos de áudio e vídeo da Alemanha, eu ganhei de presente um catálogo da Sennheiser, fabricante de microfones de alta reputação nos estúdios europeus. Dentro dele, aparece uma lista de indicações segundo o tipo de instrumento ou voz a serem gravados:

 

 

Durante longos anos um dos microfones de referência nos estúdios era o Neumann U47, distribuído com o logo da Telefunken, e ele continua em uso até hoje, por incrível que pareça.

Da última vez que eu me encontrei com o Sylvio Rabello, ele me mostrou microfones Sony usados no estúdio da CBS aqui do Rio de Janeiro. O aperfeiçoamento desses microfones me pareceu que mostra como os japoneses passaram a não depender dos microfones de outros países.

Seja como for, a escolha dos microfones tem profunda influência na qualidade das gravações, e o audiófilo percebe logo quando acha um estúdio ou selo independente que grava com critério.

Gravar áudio é uma arte, e alguns engenheiros ganham fama por conta das suas habilidades no ajuste de todos os controles da mesa. Anos atrás eu publiquei no Webinsider as atribulações de um engenheiro de gravação diante das adversidades, um vídeo hilário, que repito aqui, e que reflete uma realidade desastrosa:

 

 

Muitos engenheiros de áudio preferem se livrar da mesa convencional e processar o mínimo possível de sinal no trajeto entre o microfone e o dispositivo de gravação. Existe uma lendária gravação de referência chamada de Jazz At The Pawnshop, editada pela Proprius, gravada pelo sueco Gert Palmcrantz, que usou uma mesa desenhada por ele, e gravou aquelas sessões com o uso de um Nagra usado para cinema, setor onde ele, aliás, trabalha também.

Eu ainda tenho o CD duplo da Proprius com esta gravação. Mas, posteriormente, Palmcrantz voltou às fitas originais e reeditou todo o conteúdo em HDCD e depois em SACD. As diferenças entre os discos é muito sutil, mas é audível.

Todas essas referências mostram como o áudio pode ser bem gravado, embora hoje em dia o colecionador tenha virado peça de museu. Em artigo recente eu expus o meu questionamento sobre a atual importância do áudio de alta resolução. Pode ser que eu me engane, e até espero estar enganado, mas o fato é que os serviços de streaming tiram do amante de música aquela coisa sacralizante de pegar um disco na sua coleção, que ele ou ela acreditam ser de alta fidelidade e coloca-lo para reproduzir no seu equipamento de referência.

Eu já passei na frente de um monte de sistemas de amplificação, a maioria dos quais eu jamais teria condição de comprar, e cuja reprodução de música sempre me impressionou. E vi e ouvi também sistemas bem mais modestos soarem super bem, por conta do ambiente onde eles foram colocados.

E com isso, eu finalizo, salvo melhor juízo, com um dos principais paradigmas da boa reprodução de áudio: o ambiente onde o som é reproduzido!

Não é preciso ter profundo conhecimento de acústica para entender bem isso. Na minha época de estudante secundarista, um dos professores de Física nos falou extensamente sobre isso, explicado senoides, frequência e tudo o mais. Foi por ali que eu comecei a entender com clareza a importância do ambiente. Eu temo que nunca terei um ambiente como gostaria, mas se houvesse chance de obtê-lo eu jamais hesitaria!  Outrolado_

 

. . . .

 

Áudio de alta resolução: alguém ainda se importa com isso?

 

A perda de um grande amigo

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Como sempre, uma excelente leitura, Paulo. Achei muito interessante o catálogo da Sennheiser que você mostrou na matéria. Se permito acrescentar uma experiência que tive recentemente, assistindo ao novo filme da Marvel/Disney, Black Widow, existe uma cena muito interessante, em que os personagens estão voando num helicóptero do exército e precisam se comunicar utilizando headset, e a produção do filme fez questão de deixar o som original dos microfones, trazendo um ar de realismo para a obra, quase como se você estivesse ali com eles. Eu sou um apaixonado por cinema e música, e me agrada bastante ouvir o som em sua legítima qualidade. Parabéns pelo texto.

  2. Como sempre, uma excelente leitura, Paulo. Achei muito interessante o catálogo da Sennheiser que você mostrou na matéria. Se permito acrescentar uma experiência que tive recentemente, assistindo ao novo filme da Marvel/Disney, Black Widow, existe uma cena muito interessante, em que os personagens estão voando num helicóptero do exército e precisam se comunicar utilizando headset, e a produção do filme fez questão de deixar o som original dos microfones, trazendo um ar de realismo para a obra, quase como se você estivesse ali com eles. Eu sou um apaixonado por cinema e música, e me agrada bastante ouvir o som em sua legítima qualidade. Parabéns pelo texto.

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