As vicissitudes das gravações analógicas

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Depois das reclamações dos consumidores dos elepês vir a público, os engenheiros da Mobile Fidelity descrevem as dificuldades encontradas com a remasterização de fitas analógicas originais. E as soluções para encontraram para permanecerem fiéis à filosofia de conseguir o melhor som possível em qualquer mídia.

 

Toda esta bulha gerada pelo inconformismo de audiófilos pró som analógico e anti som digital radicais, e consumidores que se consideram lesados e enganados, em torno dos elepês do selo Mobile Fidelity, que foram masterizados com um intermediário DSD256, trouxe à mim uma memória de longa data, quando eu ainda estava muito envolvido com gravações dentro de casa, e ocasionalmente visitava algum estúdio.

Para mim, o mundo das gravações sempre foi fascinante, e em consequência eu sempre quis saber alguma coisa a mais a este respeito, mas nem sempre eu consegui este intento, por falta de maturidade e experiência de vida.

Passados agora tantos anos, o que eu aprendi acabou me convencendo que uma pessoa ouve do que gosta e principalmente do jeito que gosta, porque música e áudio são coisas muito pessoais.

Cada pessoa tem um ouvido cuja resposta de frequência é exclusiva e varia tremendamente com a idade. Mulheres e crianças ouvem melhor do que um homem, e este perde a audição de alta frequência com a idade, o que, aliás, não lhe impede de fazer o seu discernimento do que para ele soa bem ou mal.

Nada disso teria, aparentemente, a haver com o questionamento ético da Mobile Fidelity, mas tem, porque em uma escala profissional o que se ouve em casa vindo da gravação de um dado estúdio é o fruto do discernimento de um técnico, que tem a sua maneira de ouvir e saber se uma gravação está do seu gosto.

Tal escolha se estende à masterização, explicando porque a mesma gravação soa diferente não só por causa da mídia de transporte, mas pelos critérios pessoais de como uma gravação deve ser masterizada!

Se dependesse de mim, eu jamais faria uma transcrição de uma gravação analógica com uso de compressores ou limitadores, e, dependendo de cada caso, nunca iria refazer a equalização, a não ser que tivesse plena confiança do resultado!

No meu trabalho doméstico e amador de restauração de elepês antigos em muitos momentos eu preferi deixar algum ruído passar, para não prejudicar o som obtido.

Então, eu imagino isso em escala duzentas vezes maior, em um estúdio profissional, porque aí entram em jogo não somente o resultado para a recepção pelo consumidor, mas da escolha do equipamento usado para avaliação auditiva do técnico que remasteriza.

Voltando ao caso da Mobile Fidelity

Os 3 engenheiros de áudio da Mobile Fidelity, Shawn Britton, Krieg Wunderlich e Rob LoVerde, foram entrevistados por um lojista do site The “In” Groove, que queria saber o sobre rumores de uso de mídia digital para cortar acetatos, na configuração “One-Step”.

Quem não viu o vídeo e quer saber dos detalhes, eu o compartilho embaixo:

 

 

No início dessa entrevista pode-se notar a hesitação de Krieg Wunderlich (de pé) em entrar no assunto das acusações recebidas na onda de rumores. Mas, Shawn Britton (sentado, de boné) toma a palavra, um tanto desconcertado, e fala claramente sobre o uso de DSD256 para fazer elepês.

Dos três, Rob LoVerde (sentado ao lado do entrevistador) foi quem melhor argumentou as razões pela quais a decisão de fazer um intermediário DSD foi tomada. Se alguém ouvir o que ele diz com atenção, e se souber como o trabalho nos estúdios é feito, irá lhe dar total razão em intermediar a fita original com uma remasterização digital, antes de cortar o acetato para prensar o elepê.

Rob conta muita coisa que se passa nos estúdios e os inúmeros problemas enfrentados que dificultam a utilização de uma fita master por qualquer um que a licencie para duplicação de alguma mídia.

Ele diz, e a gente entende bem por que, que com o avanço do tempo, fitas analógicas originais antigas precisam ser preservadas a qualquer custo, e isto explica porque o estúdio dono dessas fitas não mais se interessa em cede-las e remetê-las para outro lugar.

Foi citado inclusive o caso das fitas matrizes dos Beatles, guardadas a sete chaves no estúdio Abbey Road da EMI. Shawn bem que tentou, mas o pessoal lá sequer deixou que ele visse as fitas à distância, algo que deve ter sido constrangedor.

A equipe da Mobile Fidelity passou a ter hábito de não pedir mais a remessa das fitas originais, e sim enviar aos estúdios de quem foram permissionários todo o equipamento de cópia, incluindo um deck Studer A-80 e os conversores para DSD256.

Esses engenheiros encontraram situações esdrúxulas, como, por exemplo, achar em uma fita master cada faixa com alinhamento e/ou equalização diferentes umas das outras, ou canais trocados, uma vez comparados aos elepês já feitos. Vejam que nunca foi incomum gravações serem feitas em mais de um estúdio, às vezes em países diferentes.

Se usado literalmente, esse material com inconsistências técnicas teria sido impossível de cortar um acetado corretamente, porque uma vez rodando a fita e o torno alimentado por ela, o único pré-ajuste que pode ser conseguido é o de passo e profundidade dos sulcos, feito pela reprodução da cabeça de pré leitura separada no deck usado.

Tornos modernos fazem este ajuste automaticamente, o que foi um avanço importante na tecnologia de corte de acetato.

Em outras palavras, não seria possível realinhar a fita e cortar o acetato ao mesmo tempo, porque o alinhamento da fita magnética depende da leitura de sinais de controle, lidos por um osciloscópio ligado ao deck, e a cabeça ajustada manualmente até que a leitura obtida esteja correta.

Normalmente, estes sinais são gravados no início da fita master, e o ajuste de azimute, que é fundamental para a correta reprodução da fita magnética, é feito no momento da leitura dos sinais de alta frequência pré gravados.

Foram citadas situações onde as fitas master encontradas estavam desprovidas dos sinais de alinhamento, dando uma tremenda dor de cabeça a quem precisaria cortar um acetato.

Esses e vários outros motivos impulsionaram os técnicos da Mobile Fidelity para arrumar uma solução que resolvesse qualquer tipo de impasse: remasterizar primeiro o conteúdo completo de uma fita master, separando cada faixa, e as otimizando para um arquivo DSD.

Se ajustes posteriores ainda precisassem ser feitos, eles seriam realizados no ambiente digital, sem qualquer perda do conteúdo.

Ora bolas, eu não sou técnico, mas posso garantir a quem lê que funciona! Em ambiente digital é possível executar qualquer forma de limpeza ou ajuste sem prejudicar o conteúdo, com a vantagem de que qualquer processo de ajuste que não dê o resultado esperado possa ser refeito até se conseguir o que se quer!

Além disso, se a remasterização otimizada conseguida com a conversão da fita analógica para DSD for indistinguível da fita original, a Mobile Fidelity pode continuar afirmando no seu logo da faixa impressa na capa dos discos a afirmação de que se trata de uma “Original Master Recording”, sem nenhum sentimento de culpa. Se um erro foi cometido por eles foi aquele de não deixar esta etapa de conversão explícita para quem compra os seus elepês!

Os aspectos vislumbrados pela solução encontrada pela Mobile Fidelity não são apenas técnicos, são também econômicos e possibilitam aumentar a capacidade de duplicação de qualquer mídia sem perda de qualidade. Eu acho isso mil vezes preferível do que a empresa anunciar em público que a tiragem da mídia é limitada, e depois desmentir isso em uma duplicação feita posteriormente.

No final do dia, se alguém gosta do que ouve, não pode se queixar nem se dizer “traído” pelo fabricante desta maneira, sob pena de parecer injusto ou paranoide. Em última análise, quem se sentir prejudicado, que leve o assunto aos canais de proteção ao consumidor e/ou nunca mais compre daquele fabricante. Outrolado_

. . .

 

A traição digital para os fãs do vinil

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Olá Paulo, meu comentário vai fazer o leitor torcer o nariz, mas vamos lá.
    Será uma explanação longa, mas as explicações são plausíveis e autênticas.
    O embasamento para tal opinião tem como base uma questão puramente técnica
    a nível de eletrônica.
    Senão vejamos, o porquê dessa polêmica tem a ver com o efeito da onda quadrada (do digital), comparada a onda senoidal (áudio analógico) visualizada através de analisador de espectro, conectado a um aparelho osciloscópio, ligado na saída XLR de alta impedância de uma máquina open reel Studer A80 MKII de 1 pol.
    Agora vamos ao relato da prova técnica.
    Trabalhei como técnico matrizador durante 2 anos nos Estúdios da Gravadora Transamérica em S.P. e a cada 3 meses (ou até menos), era necessário a troca dos blocos de leitura (head block) das cabeças magnéticas das Studer, e esse procedimento era realizado por um técnico Sênior da Studer, com treinamento na Alemanha.
    Em uma dessas visitas técnicas eu questionei-o do por que cópias (em fita magnética) oriundas de gravações digitais, não terem a mesma profundidade de áudio (graves e agudos), comparadas quando as mesmas eram realizadas diretamente de instrumentos musicais gravadas ao vivo em estúdio no sistema analógico ?
    Ele perguntou se alguma vez eu havia ouvido que tipo de som (em digital) um computador faz (linguagem de máquina) quando gravado no sistema analógico.
    Entrei em parafuso e disse que nunca ouvi esse tipo de som. Nesse momento esse técnico solicitou que eu ligasse a saída de som de um datacorder de um computador MSX que tinha ao lado do console de áudio (mesa de som). Em seguida pediu que eu reproduzisse o som ali gravado naquelas fitas K7. E gravou esse som na máquina Studer, e depois fez a leitura desse áudio gravado no analisador de espectro,
    conectado ao osciloscópio. Na visualização das imagens nos instrumentos de medição, ficou claro que a onda de um sinal digital é quadrada (sistema D.D.A), em comparação da onda senoidal do áudio capturado de forma analógica (sistema A.A.A.)
    Daí a conclusão seria a seguinte (de forma resumida), para que o áudio digital consiga obter uma boa qualidade sonora em analógico, é necessário um ótimo processamento no momento da captura e gravação, utilizado taxas de amostragem altíssimas, codecs de áudio com baixíssima compressão, além da utilização dos melhores circuitos D.A.C. para converter esse áudio com a máxima qualidade possível. Para finalizar se compararmos uma mesma gravação, no áudio analógico não se faz necessário nenhum tipo de pós processamento para se atingir a qualidade conseguida no áudio digital, após decorridas todas as etapas descritas acima.
    De uma forma geral diríamos que o áudio digital terá sempre que se utilizar de muitas etapas para “teoricamente” alcançar a mesma qualidade do áudio original captado no sistema analógico. Então a conclusão seria que o áudio analógico não necessita das etapas do digital para alcançar a mesma qualidade (daí o motivo dos audiófilos qualificarem o áudio analógico como “Puro”)
    Bem após esse livro, espero ter passado a minha experiência sobre o tema para os leitores.

    1. Rogério, eu agradeço o seu testemunho e compartilhamento desta experiência, que, sem dúvida, enriquecem o assunto.

      Eu ainda acho uma idiotice pessoas fanáticas por vinil acharem que estão ouvindo o som original da fita master. No meu pseudo estágio na falecida Polygram, eu vi de perto o técnico ignorar o alinhamento Dolby A de uma gravação da Pablo e cortar assim mesmo. O que direito se fazia lá era o alinhamento padrão com os tons gravados no início da fita, que você conhece bem. De resto, o que saiu saiu, e ponto. Muita gente desse ramo achava, por incrível que pareça, que o consumidor brasileiro não tinha agulha para tocar um disco de melhor qualidade. E olhe que a Polygram tinha o que existia de mais moderno em torno Neumann, portanto, sem desculpa para não fazer um elepê decente. Aliás, um amigo meu que trabalhou lá conheceu um técnico que era muito bom na sala de corte, e eu constatei isso quando comprei discos assinados por ele no acetato.

      Quanto ao digital, o preconceito é velho. Lá pela década de 1980 teve gente dizendo que era capaz de ouvir aquela escadinha da onda senoidal. A primeira vez que eu ouvi um CD, lá no estúdio da Rádio JB, eu estava acompanhado do Professor Seabra, que era audiófilo, e conhecia eletrônica, montava amplificadores, etc. E ele me contou esta estória, claro que achava um absurdo, e me disse que o CD seria a última das suas coleções de discos. A propósito, ele só ouvia música erudita. Se alguém que eu conheci que poderia se sentir prejudicado por som deturpado seria ele.

      A questão é se a gravação digital ou a conversão de uma fita analógica para o som digital podem adulterar a fonte de sinal, e está mais que provado que não. E este episódio da Mo-Fi flagrou os fanáticos por vinil gostando de uma masterização digital. Pior aina, gente com raiva da Mo-Fi fazendo campanha pela Internet contra a empresa, por se sentirem lesados. Chegaram a taxar o episódio de Mo-Fi Gate.

      Só para finalizar este argumento, eu tenho até hoje em casa um CD de demonstração da Meridian, que eu ganhei quando morava fora, com gravações de música clássica feitas diretamente em uma máquina CD-R desenvolvida por eles. O som é, na minha opinião, irreprochável. Este equipamento foi usado em diversos estúdios de renome daquela época.

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