Cinema, a grande e a maior arte escapista do século 20

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O escapismo é uma das maiores armas na construção de um filme, e praticamente todos os roteiros e estórias se baseiam nele.

 

Quando os irmãos Louis e Auguste Lumière organizaram a primeira exibição paga de seus filmes, que ocorreu em 6 de janeiro de 1896, eles estariam dando partida para o mercado exibidor cinematográfico, que iria tomar corpo anos depois.

 

 

Historicamente significativo foi o relato de que a pequena plateia ali presente teria se assustado com o filme da chegada do trem à estação de La Ciotat, alguns se escondendo, outros saindo correndo da sala, com medo de serem atropelados!

 

https://youtu.be/1dgLEDdFddk

 

Pouco tempo depois, coube ao genial Georges Méliès a invenção dos truques fotográficos, provando assim que o cinema era capaz de criar um mundo de fantasia insuperável!

 

https://youtu.be/_FrdVdKlxUk

 

Um tributo a Méliès foi feito por Martin Scorsese, a propósito do personagem Hugo Cabret, e comentado em um texto por mim publicado no Webinsider anos atrás, quando o filme foi exibido.

Em ambos os casos, dos irmãos Lumière e Méliès, provou-se que o cinema poderia transcender uma mera diversão de baixo custo oferecida aos frequentadores das salas de exibição.

O motivo pelo qual o cinema atingiu o status de melhor diversão ao longo do século 20 tem a ver com as suas diferenças com os tradicionais meios de comunicação, e eu poderia destacar sem receio:

A câmera não é simplesmente um instrumento de captura da imagem em movimento. Ela é também o meio pelo qual a plateia vê uma cena, estando de fora da mesma, uma espécie assim de testemunha ocular do acontecido.

Alfred Hitchcock foi um desses diretores cujos métodos de filmagem determinavam o que plateia poderia ou não testemunhar, criando assim as bases para os filmes de suspense!

A câmera, se bem usada, tem virtudes que os outros meios de comunicação não têm. Ela pode mudar de posição e de ângulo, viajar no espaço e simular ambientes de qualquer tipo.

Em comparação, o teatro fica circunscrito ao palco, cenários semi estáticos, e atores de visão única, podendo apenas se movimentar no palco. O rádio, concorrente do cinema, funciona apenas com voz, o ouvinte cria a cena na sua imaginação, e o livro, com a imaginação do leitor somente.

A criação da imagem pela câmera faz o espectador se transportar para onde o cineasta quer. Os filmes de ficção científica se beneficiaram imensamente com este tipo de recurso. Em sã consciência, seria inviável que uma pessoa pudesse viajar pelas galáxias dentro de um foguete e, no entanto, o cinema consegue convencer a quem assiste que ele ou ela, adultos, jovens e crianças, estão de fato fazendo isso.

A suspensão da descrença

A expressão em língua inglesa “Suspension of Disbelief”, criada por um filósofo americano, foi usada na literatura, na descrição de situações nas quais o leitor deixa de acreditar que elas não sejam plausíveis.

O cinema fez pleno uso deste princípio. Basta olhar o cinema de animação, mais notadamente o dos cartoons, onde personagens se quebram em pedacinhos, mas logo depois se juntam de novo. Tex Avery foi o diretor que mais abusou deste recurso, dando graça incomum às gags (anedotas) dos seus desenhos.

Walt Disney foi um dos cineastas mais citados no uso deste tipo de técnica, ele mesmo tendo dito que a suspensão da descrença foi usada como a base para todos os seus filmes de animação. E mesmo fora deles, em vários dos filmes “live action” do estúdio, este princípio é aplicado, o mais notório deles “Mary Poppins”, de 1964.

Não há dúvida de que filmes realizados em preto e branco contribuíram significativamente para a suspensão da descrença, mas a introdução da cor nos filmes ajudou a dar um ar de realismo a ela.

A suspensão da descrença está na cabeça de quem assiste. Uma vez eu levei os meus filhos ainda pequenos para assistir ET – O Extra Terrestre em cópia dublada. Na cena em que as crianças são perseguidas e as bicicletas já cercadas levantam voo, a criançada dentro do cinema explodiu em aplausos!

O escapismo

O que se denomina escapismo é a fuga da realidade, quando uma pessoa mergulha mentalmente em um mundo ou situação que não é dela.

O escapismo não deixa de ser um recurso psicológico quando as condições de vida de alguém são ásperas e/ou difíceis de contornar.

Após o crash da bolsa americana em 1929, houve quebradeira e desemprego em massa, que durou anos a fio. Durante este período o cinema nunca deixou de dar lucro. E não por mera coincidência os filmes de terror, Drácula, Frankenstein, etc., foram os que mais arrebataram público em busca de escapismo.

No filme A Rosa Púrpura do Cairo, de 1985, escrito e dirigido por Woody Allen, uma mulher mal casada e sem dinheiro, em plena era da depressão, vai ao cinema seguidamente ver o mesmo filme, e vê o personagem sair da tela para sair com ela em um mundo de fantasia.

 

 

O cinema, embora sistematicamente feito com um pé na realidade ou com intenções sociais e políticas, nunca deixou de ser escapista, partindo do princípio que o espectador está vivendo uma vida que não é dele ou dela.

O escapismo é um fator de expressão tão forte no cinema que os maiores sucessos de bilheteria, principalmente no público mais jovem, são os de filmes escapistas.

No cinema antigo os filmes tipo faroeste fizeram crianças da minha faixa etária querer brincar de caubói, e as fábricas de brinquedos vendiam kits com pistola, cinto, cartucheira, com esta finalidade.

Tarzan foi um dos personagens desta época que atraíam muito o público infantil. O personagem foi perdido na selva, mas cresceu aprendendo a se defender de todos os perigos. Quem não gostaria de ter tal tipo de valentia desde tenra idade?

Ao contrário do que se poderia imaginar, salvo melhor juízo, o escapismo do cinema não é prejudicial a ninguém. Ele na realidade faz o melhor efeito possível naquelas pessoas constantemente submetidas aos rigores de uma vida estressante.

Quem tem estresse seguidamente deve procurar alguma forma de escapismo, seja uma viagem, seja uma mudança da rotina de vida de qualquer natureza. Cada pessoa escolhe o escapismo que mais lhe agrada: cinema, música (concertos, por exemplo), literatura, pintura, viagens, e vai por aí.

A vida ideal é muito difícil de ser conseguida. Por causa disso, o escapismo continuará presente na vida de todo mundo. Quem for cinéfilo, não precisará se esforçar em achar o melhor meio de escapar, porque o cinema é, sem dúvida, o melhor escapismo do século 20, e continuará assim por um bom período de tempo.  Outrolado_

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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