A evolução da planilha eletrônica em trabalhos científicos

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A planilha eletrônica foi inventada por Dan Bricklin e evoluiu muito além do que fora a sua aplicação originalmente planejada.

 

A planilha eletrônica foi inventada por Dan Bricklin, quando ele era estudante da Harvard Business School, e lançada em 1979. Bricklin, com formação prévia em ciência da computação, desenvolveu junto com seu colega Bob Frankston, uma planilha com o nome de VisiCalc. A família de Bricklin elaborou um folheto de lançamento, mostrado em palestra para o site TED Talks:

Uma placa comemorativa foi depois colocada na sala de aula onde Bricklin estudava:

A planilha VisiCalc foi desenvolvida para o Apple II, e segundo Steve Jobs foi o programa que mais influenciou na venda deste computador.

É bastante visível para quem usou planilhas subsequentes as limitações operacionais do VisiCalc, parte disso culpa do teclado limitado do Apple II (só tinhas setas para a direita e para a esquerda, por exemplo), além da ausência de um mouse, que viria a ser usado em outros sistemas anos depois.

Outra limitação foi o ambiente operacional para o qual o VisiCalc foi programado, restrito ao do Apple II. Com o advento do CP/M, planilhas bem melhores apareceram no mercado, a primeira delas o programa SuperCalc, com muito mais recursos e mais fácil de usar.

Eu já nem me lembro mais quando comecei a usar o SuperCalc em ambiente CP/M pela primeira vez. O meu primeiro microcomputador foi um Expert MSX, da Gradiente. Logo após a introdução dos drives de 5 ¼” para o MSX foi possível rodar programas em CP/M, entre eles o SuperCalc.

Introdução de valores na matriz da planilha

Notem que a planilha eletrônica foi originalmente desenhada para trabalhos de contabilidade. Ela opera como uma matriz de dados, que foi a principal contribuição de Dan Bricklin. Nessa matriz, uma célula tem como endereço o resultado da união entre colunas e linhas, como por exemplo, na primeira célula o endereço seria A1, ou seja, coluna A, linha 1:

É importante perceber que cada endereço desses corresponde a uma posição da memória RAM do computador. Na programação convencional, o programador pode atribuir valores a qualquer variável, bastando que para isso ele escreva que tipo de variável é aquela. E com o conteúdo de uma ou mais variáveis numéricas é possível fazer cálculos. Na planilha, o mesmo princípio se aplica em cada um dos seus endereços, mas o usuário pode alterar o conteúdo da variável contida em uma célula, sem precisar reprogramar tudo de novo.

Outra coisa importante é que cada célula da planilha pode conter basicamente 3 tipos de informação: números (dígitos), letras do alfabeto (conteúdo alfanumérico, que serve para identificar os campos a serem preenchidos) e fórmulas, as quais irão permitir aplicar cálculos ou funções de acordo com o conteúdo dos endereços.

Na planilha convencional, a entrada de números é automaticamente reconhecida como tal. Mas, para a entrada de textos ou fórmulas é preciso inicialmente indicar que tipo de campo está sendo digitado, como, por exemplo, aspas para indicar texto (“Nome), ou sinal de igual, para indicar fórmulas (=A1+B1).

Quem usou MSX-DOS na década de 1980, provavelmente vibrou com o aparecimento de programas em CP/M, mas a maioria desses programas em disco era copiado de alguém ou vendido por terceiros, e sem manual, quer dizer, todo usuário daquela época tinha que ser autodidata, achar alguma literatura nas livrarias, e fazer muito esforço, se quisesse a aprender a usar uma planilha direito!

Um recurso que melhorou muito o uso das planilhas em DOS foi a edição das células, bem mais fácil de fazer, sem precisar de chaves do CP/M.

Aplicações em ciência

Na minha experiência, a introdução da computação no tratamento de dados do laboratório não foi bem aceita por parte da comunidade acadêmica, e isso perdurou muito tempo. Eu comecei a usar programação com este objetivo no desenvolvimento da minha tese de mestrado, os resultados compensaram amplamente, e o meu chefe e orientador gostou da iniciativa. Mas, durante a defesa, um dos examinadores me classificou como “exagerado”, porque, segundo ele, os meus cálculos podiam ser feitos com o uso de uma calculadora de bolso. E como eu tinha prometido ao meu chefe, a pedido dele, a não retrucar, fiquei calado e agradeci a crítica. O meu irmão mais velho, que era profissional na área de mainframe, assistiu a defesa e saiu de lá revoltado. Como este tipo de crítica não me impediu de ser aprovado, ficou por isso mesmo!

Quem me dera se naquela época eu tivesse acesso a uma planilha de cálculos, mas isto só aconteceu anos mais tarde, e com a natural dificuldade dos iniciantes. A curva de aprendizado tendo que digitar comandos no prompt da planilha é lenta e exigia esforço para aqueles que, como eu, eram incipientes em matemática.

Por outro lado, é óbvio que, ao se usar uma planilha pela primeira vez, fica intuitiva a observação de que ela se presta muito mais do que para fazer um cálculo de contabilidade. E com o SuperCalc eu dei os primeiros passos nesta direção.

As aplicações em rotinas científicas são em grande número, principalmente nos cálculos mais complexos, ou na elaboração de curvas e tratamento estatístico dos dados, como aconteceu anos depois.

A entrada em cena do ambiente gráfico

Com o advento das interfaces gráficas, a computação de dados em planilhas mudou radicalmente! Antes disso, a melhor planilha para plataformas IBM, em ambiente DOS, era o Lotus 1-2-3, desenvolvida por Mitch Kapor. Foi com ela que eu dei os meus primeiros passos em computadores de 16 bits. Mas, o Lotus, apesar de muito bem visto, tinha os mesmos “vícios” de seus congêneres, que era a obrigação de conhecer e digitar comandos na linha do prompt. Por motivos que eu desconheço, o Lotus 1-2-3 não teve uma versão para Windows e acabou descontinuado.

A construção e design de programas mudou com a drástica necessidade de adaptação deles ao ambiente operacional do Windows, lá pelos idos do início da década de 1990. Várias software-houses nunca chegaram a adaptar seus programas para aquele ambiente. A própria Microsoft tinha o Excel, que precisou ter novas versões para rodar no Windows. Durante todo o meu projeto de pesquisa da época, eu rodei o Excel na versão 4.0, se não me engano. N.B.: Naquela época, ainda não existia o pacote Office.

A então chamada University of Wales (hoje Cardiff University) implantou o uso de todos os programas da Microsoft para Windows em rede. O aprendizado dos mesmos, entretanto, ficava por conta do usuário. No meu caso, que era um dos poucos com alguma experiência em planilhas dentro do meu grupo de trabalho, eu fui obrigado a comprar um livro, que mais parecia uma bíblia de tão volumoso, para conhecer as fórmulas e as suas aplicações no Excel, quando precisasse usa-las.

No Excel, a mudança operacional eliminou parcialmente a entrada de fórmulas por comandos, muito embora ainda fosse preciso começar a digitar a fórmula com o sinal de igual. Por outro lado, no prompt superior da tela bastaria “inserir” a fórmula a partir de um menu e seguir os passos para a entrada de dados.

Lições passadas de programação no prompt foram mantidas. Por exemplo, se eu quisesse somar duas células, eu digitaria “=sum(A1:B1)”, indicando com os dois pontos que eu queria somar o conteúdo de A1 até B1, que é a extensão das células na operação. Se eu fizesse o cálculo com mais células, digamos, A1 até A20, bastaria digitar “=sum(A1:A20)”. No ambiente gráfico, o mouse deixaria o usuário selecionar a extensão do cálculo, simplesmente arrastando o cursor de A1 até A20. E este recurso, que aumentou muito a produtividade do usuário, não existia antes.

Em ambiente gráfico, a Microsoft facilitou no Excel a possibilidade de se usar os dados das células (números e textos) para construir um gráfico e modifica-lo, como mostra a figura abaixo:

Junto com o Windows foi introduzida a função OLE (Object Link and Embedding), que permitia, e permite até hoje, ligar dados de um aplicativo para outro, neste caso copiando de forma agregada (linking) ou não, o gráfico produzido no Excel em um documento de texto do Word. No OLE com links qualquer modificação no arquivo de origem é automaticamente copiada para o arquivo de destino.

Foi assim que todo o meu trabalho científico ficou enormemente facilitado. O gozado é que, da mesma forma como anteriormente, alguns orientadores em Cardiff não se deram conta deste progresso, achavam melhor continuar usando papel milimetrado, enquanto que outros não só se deram conta dos avanços conseguidos, como compraram computadores novos. Vejam que o papel milimetrado é sempre sujeito a erros na plotagem dos dados, devido à ausência de precisão, mas no computador esta possibilidade só existe se ele for usado errado!

A introdução de uma planilha em ambiente gráfico como o Excel se beneficiava muito da presença de um coprocessador aritmético na máquina. Eu tive um micro Intel 386SX, no qual eu instalei este chip e o resultado obtido foi da água para o vinho!

Colegas daquela época que perceberam que, através de uma planilha dessas, se podia fazer tudo, inclusive alguns tratamentos estatísticos, vieram a mim e pediram ajuda. Em duas dessas ajudas, onde eu expliquei em palavras leigas como uma planilha funciona e como entrar os dados na matriz, o resultado posteriormente obtido na elaboração de relatórios por eles foi impressionante.

Em pesquisas locais, dentro do Hospital Universitário da UFRJ, eu repeti tudo isso com estudantes de iniciação científica. Em um trabalho sobre a síndrome do excesso de treinamento, ilustrado abaixo, as amostras colhidas eram lançadas na planilha e os gráficos resultantes copiados para o texto enviado para ser publicado:

A visualização gráfica dos resultados obtidos, neste caso das coletas de amostras, permite uma compreensão mais rápida do assunto pesquisado, por parte de quem está fazendo a pesquisa, ou, quando é o caso, permite facilitar a explicação dada pelo orientador aos estudantes que participam do projeto.

Depois do Excel, outros programas em ambiente Windows forneceram mais recursos em itens como estatística e gráficos, mas em nenhum momento o usuário poderia subestimar a importância do Excel e planilhas similares nesta evolução, principalmente em uma época onde outros recursos gráficos não estavam prontamente disponíveis em outros aplicativos.

A introdução da planilha eletrônica demonstra o valor do uso do computador como uma importante ferramenta de processamento de dados em qualquer área de trabalho, e eu me atrevo a dizer, que nem o seu criador poderia antecipar a que ponto elas chegaram!

No meu início de vida como usuário, toda vez que alguém se enrolava com algum processamento de dados, a palavra-chave era “abre uma planilha”! Infelizmente, os anos passam, e quando o trabalho científico cessa não há mais desculpas para encarar mais uma planilha.

Para mim, aquela quantidade enorme de comandos descritos no meu livro de Excel ficou para trás, como o livro também. Hoje em dia, eu não me lembro mais da maioria deles. Na realidade, muitos dos recursos do Excel eu nunca usei e nem me interessei por eles, dando prioridade aos que eram pertinentes ao meu trabalho, e eu imagino que com todo mundo é assim mesmo.

Seja como for, eu ainda uso Office, mas Excel só raramente. Aquilo que ainda é preciso fazer em uma planilha, como ajudar na declaração de rendas, ou estimar custos de qualquer coisa, não é muito complicado.

Talvez o leitor que chegou aqui pode não ter percebido ainda, mas ele ou ela não precisam mais de Excel ou Office, tantas são as opções gratuitas, on-line e off-line, à disposição de quem quer abrir uma planilha. Basta procurar, baixar e usar o que for de interesse. Outrolado_

 

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Rodando o Windows 10 com imagem HDR

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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