Uma escola de informática, no amadorismo dos micros de 8 bits

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Este texto foi escrito por mim para outro site, em 2007, sobre as minhas aventuras com a informática de 8 bits em micro MSX. O assunto voltou à baila depois que eu assisti vídeos recentes no YouTube sobre o assunto.

 

O texto a seguir foi escrito em janeiro de 2007, e postado em um site que não existe mais há décadas. Resolvi resgatá-lo, porque eu entendo que a preservação da memória é importante em todos os níveis. Ainda mais este ano, quando perdi três pessoas da minha mais íntima convivência e com quem eu compartilhei todos os momentos daquela época: o meu irmão, coautor dos meus livros sobre MSX, o Fernando Blanco, amigo super audiófilo, cujo falecimento inusitado até já mencionei aqui, e o meu ex-colega de pesquisa, o Professor Louis Barrucand, de quem fui assistente por cerca de 5 anos.

Em 1985, eu estava em uma situação psicológica deplorável, debaixo de um processo de separação judicial, obrigado a pagar pensão, e colocado em uma situação ilegal de afastamento na UFRJ, provocada quando o então novo professor titular do meu departamento resolveu se vingar de mim, depois de ver frustrada a sua intenção de me usar para dar uma rasteira política suja no meu orientador de tese de mestrado.

Foi quando eu e o Fernando Blanco passamos no Veiga e lá o Pedrinho, que era um dos gerentes, me viu entrando e veio correndo ao meu encalço me avisar que tinha uma promoção da Gradiente, que estava vendendo o MSX Expert em 10 vezes sem juros. Vinha tudo menos o monitor. E eu saí dali com os olhos brilhando, pois havia feito um curso de CP/M e programação no NCE-UFRJ um ano antes, e sem poder dar prosseguimento aos meus estudos. Na saída da loja o Blanco me aborda dizendo que eu estava sem grana (estava mesmo e muito), e eu ia enjoar daquele brinquedo em curto espaço de tempo. Mas, eu ignorei o paternalismo do amigo e na semana seguinte comprei o MSX.

Não durou muito e o Fernando Blanco se convenceu que era uma boa aquisição, e comprou mais de um. Também igualmente convencido ficou o meu colega Louis, que investiu em um MSX e mais uma impressora. Motivo? Ele viu uma cópia do Tasword rodando lá em casa e rapidamente viu que era o que ele precisava para terminar de escrever um livro complexo sobre Pulmão de Choque:

 

Antes do MSX o Louis e o Dr. Tinoco se digladiavam com uma datilógrafa profissional, que cobrava caro, e que recebia o manuscrito deles, que depois voltava revisado, em um círculo vicioso interminável. Depois do MSX, o Dr. Tinoco comenta comigo que “aquele seu brinquedinho é fantástico”… A datilógrafa, lamento dizer, ficou sem emprego!

Era possível fazer quase tudo com o MSX e eu fui um dos autoditatas que aprendeu dBase, SuperCalc, e vários outros aplicativos em CP/M que me foram muito úteis. E foi com o MSX-Word, adaptado do Tasword, que eu fui trabalhar nos meus textos com a liberdade que precisava.

Eis a íntegra do texto recordatório de 2007, com algumas poucas revisões relevantes:

. . .

Durante a década de 1980, a microinformática explodiu no mundo todo. E no Brasil, apesar da famigerada Lei de Reserva de Informática, instituída por lobistas e guardiões da tecnologia pátria, isto não foi diferente.

Como em todos os inícios, o da informática também foi penoso. O material de leitura era escasso, e pouco amigável. A qualidade do conteúdo, muitas vezes, era inexpugnável, ou então restrito aos estudantes da área e iniciados. Em resumo: pouco democrática!

Aquilo que poderia ter sido pelo menos intuitivo, acabou por se tornar um grande pesadelo, para muitos daqueles que percebiam a utilidade do computador como ferramenta de trabalho, mas não queriam se aventurar na selva de comandos e de aplicativos, cuja interface estava longe de arregimentar admiradores.

Hoje em dia, as pessoas vêm na tela do micro a interface gráfica, criada, na realidade, nos anos 70, nos laboratórios de pesquisa da Xérox americana (o Palo Alto Research Center ou Xerox PARC), que as guiam, com o uso do mouse (inventado muito antes até dos trabalhos na Xerox, por Doug Engelbart), pelos comandos que elas jamais irão digitar. A premissa dos pesquisadores do Xerox PARC era de que os computadores deveriam ser tão fáceis de usar, que até uma criança poderia fazê-lo, e se basearam nas táticas de aprendizado desta última, para conseguir isso:

Uma criança toma conhecimento do mundo através do tato e da observação visual. Assim, a interface gráfica foi criada, para simbolizar coisas como “arquivo” ou “pasta”, “abrir” ou “fechar”. E para “pegar” e “transportar” esses símbolos (ou ícones), o mouse foi usado, em conjunto com os seus botões de comando.

Mas os primeiros anos da microinformática foram ainda dominados pela interface não gráfica, na realidade uma tela de texto e um teclado. Steve Jobs havia lançado, exatamente em 1984 (em referência ao livro sobre o regime ditatorial, de George Orwell), o Macintosh, com os frutos de pesquisa da Xerox, mas isso pouco adiantou. No Brasil e em outros países sem acesso a esta tecnologia, o império da IBM (chamada pela Apple de “Big Blue”) teve prevalência.

O problema maior da interface de texto é que ela exige a execução de comandos, digitados pelo usuário, na forma de um programa. Para amenizar um pouco isso, os sistemas operacionais de disco usavam comandos que invocavam rotinas de programação, retidas na memória do computador, ou na forma de um pequeno arquivo gravado no disco. Assim, se o usuário tivesse um mínimo de conhecimento destas instruções, poderia operar um computador com um mínimo de recursos, tais como “salvar”, “copiar”, “deletar”, etc.

Por outro lado, o que é interessante é que a interface de texto acabou, ironicamente, trazendo uma enorme vantagem àqueles que a usaram com perspicácia e interesse: ela ajudava a entender como um computador funciona!

A lição que a interface de texto e o primitivismo no uso dos primeiros microcomputadores nos deixou é essa: não adianta você sair clicando comandos nas telas, se você não sabe o que está fazendo. E é fundamentalmente por isso, que a informática continua sendo uma enorme caixa preta, para a grossa maioria de usuários de aplicativos. Quando acontece um problema, a pessoa não tem noção do que é, por exemplo, um “bug” (erro) de programação, ou um erro de sistema, ou, pior ainda, de um problema na máquina, como, por exemplo, um erro de escrita ou de leitura.

Na década de 1980, o maior entrave para o acesso à informática era a complexidade do uso do computador, aliada aos textos dos livros, que contemplava apenas os entendidos do ramo. Fez-se necessária a tradução didática dos termos e conceitos, para que o número de usuários aumentasse significativamente. E, a partir daí, o usuário poderia decidir que computador usar, que programas usar, ou, ainda mais importante, se poderia se aventurar a criar os seus próprios programas. E neste particular, que não era excludente, o maior apelo foi dar chance às pessoas de dar asas à imaginação e de tornar conseqüente a sua criatividade. Sem dúvida alguma, a maior lição aprendida foi, nestes casos, a do aprendizado da lógica de como um programa de computador funciona! Nesta lógica, está embutida a compreensão de como uma rotina feita de comandos tem influência na obtenção do resultado desejado, e, quando não, como aparece o chamado “erro de lógica”.

Linguagens de alto nível, o chamado “nível do usuário”, foram fundamentais para este desenvolvimento, porque palavras como “print”, “input”, “goto”, “run”, “if”, “else”, começaram a ter sentido na cabeça do programador, antes mesmo que o programa fosse executado.

Por isso, os programas e micros de 8 bits, por seu preço e conveniência, se tornaram bastante populares. Um computador de 8 bits era capaz, guardadas as devidas proporções, de fazer tudo aquilo que um computador de melhor qualidade faria, se o usuário tivesse acesso aos periféricos, e soubesse fazer bom uso deles!

Neste particular, um dos computadores mais populares, fora dos Estados Unidos, e particularmente no Brasil, Europa e Japão, foi aquele baseado no padrão MSX. O padrão foi criado no Japão, pela vertente da Microsoft, interessada em popularizar o uso do DOS (“Disk Operating System”). O MSX-DOS era totalmente compatível com o MS-DOS, oriundo do CP/M, criado para as plataformas IBM, e isso permitia a troca literal de arquivos em disco entre um sistema e outro. Além disso, a maioria dos comandos em MSX-DOS tinham algum equivalente em MS-DOS, e assim a migração de 8 para 16 bits se tornou bem menos traumática.

O usuário de MSX podia, por exemplo, escrever rotinas em MSX-Basic, e depois migrá-las, com poucas adaptações, para o GW-Basic, usando o mesmo disco. Ou ainda, executar programas em CP/M, como o WordStar, no MSX, e depois ver todo o texto integralmente aproveitado no WordStar, dentro do computador IBM.

O MSX usava um processador Zilog Z80A, com capacidade de gerenciamento de 64 Kbytes, e inacreditáveis 3,58 MHz de velocidade, e isso permitia o computador rodar o MSX-DOS, com disk drive de 5 ¼, através de interface dedicada. Para tornar o computador mais ágil e atraente, à CPU foram acoplados um chip de vídeo TMS9918, da Texas Instruments, com 16 Kbytes de VRAM dedicados, e também um chip de áudio AY-3-8910, da General Instrument (GI Microelectronics).

Tudo isso, com vários slots de expansão, para a aquisição e implementação de periféricos diversos, tornou o MSX um computador de grande apelo entre usuários dedicados e aficionados. A versatilidade do sistema tornou possível rodar jogos eletrônicos, com capacidade gráfica inédita para a época, inicialmente através de fitas cassete, e cartuchos com memória própria, e depois a partir de discos flexíveis.

A minha entrada no padrão MSX, em 1985, se não me engano, coincidiu com a expansão da UFRJ, na área de informática, particularmente no Núcleo de Computação Eletrônica (NCE). Eu havia feito um curso sobre Basic, para professores, um ano antes, e não tinha meios de usar os meus parcos conhecimentos, a não ser que freqüentasse os laboratórios do Núcleo, tendo ainda que me adaptar aos rígidos horários do mesmo. Não foi difícil descobrir que uma hora de laboratório pouco adiantava, para aprender e escrever rotinas, ou avançar no domínio do micro. A solução foi comprar um MSX, para trabalhar em casa. Mas, nesta época, a maioria dos dogmas e conceitos de informática eram posse quase que exclusiva dos iniciados. Para contornar isso, foi necessário criar um material didático próprio, e isso eu fiz com a participação do meu irmão Sergio Guy, que era veterano profissional da área de mainframe. Para ele também, as descobertas dos truques e macetes da microinformática foi importante, porque, a partir da mesma, o mundo cibernético mudou completamente, em relação ao processamento e à transmissão de dados.

Sergio e eu nos propomos a escrever alguns livros. Já no final do primeiro manuscrito, chamado por ele de “dBase II MSX sem mistérios”, nós já estávamos planejando o segundo, sobre o MSX-Word. E a seguir, veio o inevitável amarrar dos laços, porque estava evidente, já naquela época, que o DOS iria dominar o mercado nos próximos anos, o que, de fato aconteceu, até que o Windows tomasse conta do mercado, lá pelos idos de 1992 ou 93.

Capa da primeira edição do livro sobre dBase. A capa da segunda edição, já revisada, é idêntica, porém com a cor verde no lugar da vermelha.

 

Nosso segundo livro, mostrando como processar textos com o MSX-Word. Os processadores de texto ajudaram a “vender” a idéia do uso do microcomputador, para muitas pessoas.

 

Sem sistema de disco, um computador perde muito em operação. Este livro coincidiu com a disseminação dos drives de 5 ¼ no mercado de informática.

 

Interessante, que o dBase foi, durante muitos anos, um aplicativo muito popular entre os criadores de pequenos sistemas, por causa da linguagem de programação. Mas, na época, nós dois, conscientes de que programação era uma coisa de interesse restrito, nos concentramos em descrever comandos que qualquer um poderia usar com mais facilidade. Talvez por causa disso, o livro foi um sucesso de vendas, bem acima do que a gente poderia imaginar. O uso da insinuação “sem mistérios”, foi ainda um ponto de venda, copiado pela nossa própria editora:

 

Anúncio da Ciência Moderna, puxando um “gancho” no título do nosso livro.

 

Com os livros, vieram as inevitáveis críticas, mas, em contrapartida, isso aumentou a nossa penetração em revistas de computação, na época, com chances de mostrar aplicações interessantes, ao lado de outros autores. Não creio, até hoje, que este tipo de atividade, pudesse ter qualquer finalidade lucrativa, porque eu e o Sergio éramos (e ainda somos) muito mais entusiastas da tecnologia, do que dos aspectos comerciais que a cercam. Além do mais, a estrutura editorial brasileira era, e talvez ainda seja, tão amadora quanto nós.

Página de crítica, na MSX Micro, com elogios puritanos ao livro sobre dBase, mas que não o impediram de ser um dos mais vendidos, sobre o tema, naquela época.
Uma crítica mais favorável, ao livro sobre processamento de texto, na mesma revista.

 

 

 

 

Enfim, uma crítica, na mesma revista, desta vez, sobe o livro de DOS, com alusões à abrangência e referência da obra (ufa…); ao lado, o livro, no mesmo tema, dos mestres da editora concorrente.

É preciso que se diga que os processadores de texto foram tão importantes para a venda de microcomputadores, como o e-mail o foi para a Internet! Na época, os padrões da informática, literalmente ditados por empresas do ramo, impediam que caracteres acentuados, da língua portuguesa, saíssem da tela para as impressoras.

Uma pesquisa nossa, diante da ausência patética de documentação de programas de processamento, levou ao fim dessa tristeza. A possibilidade de digitar e imprimir texto acentuado, em qualquer padrão de impressora, estimulou muita gente que eu conheço a usar o computador para terminar manuscritos, artigos e livros. Os nossos próprios livros foram totalmente compostos em casa. Somente o último deles foi adaptado em plataforma IBM, para processamento em impressora postscript a laser.

A importância do assunto “processador versus impressoras”, foi, numa feita, artigo de capa da revista MSX Micro, em artigo nosso sobre o WordStar:

 

 

Tudo isso agora faz parte do nosso passado. Ainda naquela época, eu brinquei com um amigo meu, me questionando se algum ainda veria um desses livros em algum sebo do centro do Rio de Janeiro. Não vimos, mas em contrapartida, eu fiquei surpreso em saber que um site da Internet, cujo nome eu prefiro não revelar, havia escaneado o livro sobre DOS e disponibilizado o mesmo para download, e não omitiram nem o nome da livraria onde o livro foi comprado. Isso indica que ainda tem gente por aí com saudades dessa época ou desse padrão.

O fato é que, com o conhecimento acumulado, a gente hoje pode ter uma idéia razoável do que ocorre nestas caixas pretas, que a gente chama de computadores. E não só isso, mas a compreensão de que praticamente tudo hoje ao nosso redor é baseado em algum tipo de processador.

A informática de 8 bits estava indefectivelmente fadada ao esquecimento. Apesar disso, o MSX ainda durou até próximo do início dos anos 90, no Brasil e provavelmente em outros países também.

O padrão MSX ainda teve chance de nos introduzir periféricos como o modem, a controladora midi, a expansão de memória, com cartuchos externos, certamente possíveis precursores dos nossos atuais “pen-drives”, e muitas outras coisas nesta direção.

Muito de interessante aconteceu nessa época, mas nós deixaremos apenas na memória e na saudade, a gratidão dos ensinamentos conseguidos.

Posfácio

Esse tempo dos micros de 8 bits se esvaiu no final da década de 1980, muito embora no Brasil ele ainda esteve em voga muitos anos depois. Os motivos inevitáveis para o abandono daquelas plataformas são muito fáceis de entender:

1 – Limitações da CPU, com processamento relativamente limitado, a despeito das expansões de hardware.

2 – Limitações de memória RAM.

3 – Limitações de armazenamento.

O progresso da microinformática chegou a níveis nunca antes imaginados naquela época. Hoje a gente não se dá mais conta de que tivemos que passar por tudo aquilo, para poder depois sentir a extensão dos aperfeiçoamentos de processadores, de periféricos e de recursos hoje disponíveis. O assunto processador de textos, incluso o MSX, já foi tema de uma coluna anterior.

Entretanto, eu já declarei aqui neste espaço de que não tenho mais saudade da informática do passado. Em vídeo recente que eu assisti no YouTube, Oscar Julio Burd, a quem agradeci em nosso último livro, faz um relato sobre o que foi o MSX Expert.

Curiosamente, quando eu voltei ao Brasil em 1994 e a Internet começou a funcionar no meio acadêmico, logo depois eu descobri que este nosso último livro havia sido escaneado e colocado para baixar. Se alguém quiser dar uma lida na cópia é só baixar em pdf. E boa sorte para entender o que está lá!  Outrolado_

 

. . . .

A informática do passado da qual não tenho a menor saudade

 

O uso de displays nos computadores pessoais

 

A perda de um grande amigo

 

Steve Jobs, o controvertido empreendedor

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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