Gravação antigas de rock: do som mono ao multicanal

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Gravações antigas do gênero Rock & Roll, do convencional ao progressivo, continuam a ser oferecidas a quem é fã e se dispuser a gastar algum. Alguns desses discos oferecem um som 5.0 ou 5.1 de esmerada qualidade e resolução de áudio.

 

Já não é de hoje que a indústria fonográfica vem ressuscitando antigas gravações de Rock & Roll, do tipo tradicional ao progressivo, que foram todas originalmente lançadas em discos 78, 45 e 33 1/3 rpm estéreo e quadrafônico, no passado distante.

Dias atrás, eu tive a chance de ouvir duas das últimas gravações do Beatles, “Abbey Road” e “The Beatles”, esta mais conhecida como “White Album”, só que em versões 5.1. Originalmente este último disco foi lançado nas versões mono e estéreo, e o primeiro saiu somente na versão estéreo.

Durante a sua trajetória pelos estúdios da E.M.I. os Beatles gravaram em diversos formatos, o primeiro deles em uma máquina BTR de duas trilhas, copiada dos primeiros gravadores de fita magnética projetados na Alemanha. Os discos resultantes deste processo de gravação foram todos lançados em mono, dirigidos a um mercado específico, até porque discos estereofônicos do passado eram muito mais dirigidos ao segmento de música clássica e ocasionalmente de Jazz.

Eventualmente, os discos dos Beatles foram gravados em 4 canais, e os dois últimos, citados acima, em 4 e 8 canais, permitindo em todos os momentos o uso de técnicas de mixagem mais sofisticadas, que permitiram a quem ouvisse perceber que se tratava de algo novo no som obtido na reprodução.

As recentes reedições em Blu-Ray dão uma demonstração de como um daqueles discos pode ser ainda mais manipulado, de modo a apresentar uma mixagem completamente diferente. Colocando esta configuração em um diagrama, seria possível ilustrar como ambas as mixagens estéreo e 5.0 ou 5.1 funcionam:

 

Na mixagem estereofônica tradicional, a dispersão do som frontal fica restrito ao espaço entre os canais frontais esquerdo e direito. Enquanto que na mixagem 5.0/5.1 (o LFE é ocasionalmente incluído, mas não tem relevância em música), o palco sonoro frontal se expande lateralmente além das caixas acústicas esquerda e direita dianteiras, e isso só é possível pela interação entre as caixas dianteiras e os seus respectivos canais surround.

O resultado costuma ser espetacular para quem aprecia o som multicanal. Entretanto, alguns parâmetros de mixagem da gravação original deveriam ser respeitados, o que nem sempre acontece. E existem exemplos notórios, que eu cito a seguir, onde quem cria a mixagem resolve explorar o som multicanal com truques que nem sempre agradam a quem ouve.

Um desses casos foi o da gravação de Mike Oldfield “Tubular Bells”, lançado pela Virgin, em elepê de 1973. Este disco teve uma versão quadrafônica, vendida depois em SACD, e em 2003 o próprio Oldfield remixou tudo de novo, lançando uma versão 5.0 em DVD-Audio. Neste último disco, o som PCM 5.0 está contido em MLP, Dolby Digital e DTS, de maneira que qualquer um com um player para DVD poderá escutar aquela mixagem nova nas duas últimas trilhas. Quando o disco foi lançado, as críticas surgiram pela Internet afora, isso porque Mike Oldfield se sentiu seduzido pelo maior número de canais discretos e caiu na tentação de mixar o som de seus instrumentos fazendo uma varredura entre eles, e em alguns momentos o som sai dando a volta na sala! Os fãs mais ortodoxos não gostaram.

Uma situação semelhante apareceu no SACD do grupo Blood, Sweat & Tears, com a sua primeira gravação “Child Is Father To The Man”: o fundador do BS&T, o tecladista Al Kooper, montou uma versão 5.1 com uma mistura de sons dispersos em canais diversos. O SACD foi editado para lançamento da Sony, que nunca aconteceu. Mais recentemente, o disco saiu pelo obscuro selo Audio Fidelity, em tiragem limitada.

 

 

Além dessa edição o selo lançou também Blood, Sweat & Tears, disco de 1969, com som 4.0, mixagem quadrafônica. Esta edição, com som super pobre, ainda corta parte da música Spinning Wheel, sucesso da banda quando do lançamento do elepê na década de 1960. Por acaso, eu tenho a versão em SACD estéreo da Columbia deste disco, com um som de uma qualidade nunca antes ouvida. A comparação com o SACD da Audio Fidelity, neste caso, foi inevitável, apesar da nova mixagem tentar mostrar um som superior, que não é o caso.

Cronologia discográfica

A verdade é que, até o decorrer da década de 1960, a grande maioria dos elepês ou compactos lançados eram todos com som mono, porque o disco estéreo custou a ser um formato de aceitação popular.

Tradicionalmente, os discos de Rock & Roll sempre foram gravados com enorme manipulação na mixagem, e isto pode ser comprovado até hoje, se alguém estiver disposto a fazer uma pesquisa a este respeito. Entre outras aberrações, a compressão de sinal foi prevalente como método para fazer a música tocar mais alto. Grupos de rock e seus produtores em momento algum se preocuparam em fazer história com a música estereofônica, mas sim com efeitos sonoplásticos de gravação compostos dentro dos estúdios.

Gravações estereofônicas de qualidade tiveram precedência no cinema, com a criação de processos de projeção em telas ultra largas e de grande curvatura. Os técnicos que desenvolveram estes métodos de mixagem foram os pioneiros na captura e reprodução do som estereofônico, como ele deve ser ouvido. Na era moderna, o uso de surround e posteriormente do som 3D teve o mesmo objetivo.

Pioneiros da estereofonia na indústria fonográfica se preocuparam mais em demonstrar a separação entre os canais frontais, ou a capacidade de trilhagem de agulhas e cápsulas. A exceção ficou por conta de iniciativas como a da RCA, na série Living Stereo, que usou microfones separados para os canais esquerdo, centro e direita, com o microfone central destinado ao disco elepê mono. Porém, se a gente ouvir um SACD Living Stereo tirado da fita master de 3 canais poderá notar o perfeito espalhamento do som das orquestras nos canais frontais.

E a propósito deste tipo de reprodução de 3 canais, até onde eu sei, ela surgiu exatamente no meio da década de 1950, porém alvo de repulsa da comunidade de audiófilos desde esta época. Tanto assim, que depois do disco elepê estereofônico, a única mudança colocada em prática foi a do disco quadrafônico, que omitiu o canal central.

Se tal prática fosse mantida até hoje, não seria possível colecionar discos com mixagem 5.0. Diga-se de passagem, nem o quadrafônico e nem o 5.0 foram aceitos por esta mesma comunidade ortodoxa de audiófilos, ainda mais quando a mixagem desrespeita o espalhamento frontal do som capturado.

A reprodução de som de música no canal central, entretanto, é perfeitamente coerente com a mixagem 5.0/5.1 pretendida. Se o usuário quiser ouvir a música corretamente, ele ou ela só deve se preocupar com o equilíbrio do timbre entre as três caixas frontais. É bem possível que, devido à diferença de arquitetura na construção das caixas centrais, não seja exequível se conseguir um equilíbrio perfeito de timbre, mas isso não vai ser impedimento na reprodução correta de um programa 5.0 ou 5.1. Na realidade, com um fasamento correto entre as caixas frontais, a reprodução do canal central chega a ser transparente.

Evidentemente que os lançamentos dos discos multicanal de gravações de Rock & Roll procuram um público alvo à cata de novidades, pouco importa se são oriundos de gravações muito antigas.

Aos meus ouvidos, pelo menos, quando a mixagem 5.0 é bem feita, ela é apenas parte dos melhoramentos obtidos. Essas gravações dos Beatles, por exemplo, tiveram todo o tipo de lançamentos, inclusive com acetatos para elepê cortados à meia velocidade (“Half-Speed Mastering”), mas, na versão atual 5.1 o som dos discos dos Beatles é de uma qualidade que não tem nível de comparação com nenhum formato anterior. Os discos Blu-Ray atuais, citados acima, caríssimos por sinal, são masterizações das fitas originais, de 4 ou 8 canais, com uma resolução de 96 kHz e 24 bits, mais do que suficiente para cobrir o amplo espectro do que aquelas máquinas Studer conseguiam obter em termos de resposta de frequência.

É pena que, em se tratando de Beatles, a manipulação do áudio chega a ferir os ouvidos, mas isso faz parte da história do grupo, sendo assim razoavelmente sublimável, principalmente para quem sempre foi fã deste grupo.

A edição de luxo colocada à venda, a propósito do aniversário de 50 anos da gravação do disco Abbey Road, ocorrida em 2019, traz consigo 3 CDs e um Blu-Ray, sendo que neste último o áudio remasterizado a 96/24 é oferecido em estéreo, DTS HD MA 5.1, além de Dolby Atmos, cuja inclusão no Blu-Ray me pareceu um exagero comercial, mas como eu não a ouvi, não posso falar nada. Baseado no que eu ouvi em 5.1, eu só posso dizer que se o comprador é fã ardoroso, tem o equipamento e a grana para investir, por que não? Outrolado_

 

. . .

 

Suplícios de uma saudade (dos discos de vinil)

 

O CD mantém a promessa do som perfeito para sempre

 

Áudio de alta resolução: alguém ainda se importa com isso?

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *